OPINIÃO

Cartas à Constituinte: entre o sonho e o humor


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No próximo dia 5 de outubro, o Brasil comemorará 37 anos da promulgação da atual Constituição. Muito já se disse sobre ela, mas há um detalhe pouco lembrado: a participação direta dos cidadãos no processo de sua elaboração.

No início dos trabalhos, o Senado lançou o projeto “Diga Gente”, uma iniciativa que abriu espaço para o envio de cartas com sugestões aos deputados constituintes. Entre 1986 e 1987, chegaram a Brasília 72.719 cartas. Vale lembrar que, à época, a internet engatinhava e a escrita manual era o instrumento de comunicação.

Recentemente, o Senado disponibilizou esse acervo em uma base de dados digital, organizada por temas. Ali encontramos de tudo: manifestações de apoio, denúncias, críticas e propostas sobre diversos temas, desde religião até alcoolismo. Mas o que mais chama a atenção é uma categoria peculiar: as chamadas “não pertinentes” — cartas que destoavam completamente da discussão constitucional.

As cartas revelam um país cheio de paixões particulares e muito bom humor. Eis alguns exemplos:

Patriotismo: proibir que se torça contra a Seleção Brasileira durante os jogos; exigir mais respeito dos jogadores de futebol ao hino nacional.

Protestos: reclamar do preço dos tênis (feito por uma criança); pedir providências contra o favorecimento de times cariocas pela CBF; exigir que os médicos melhorem a caligrafia.

Inusitadas: instituir feriado nacional em homenagem a Elvis Presley; criar campo de concentração para bandidos e seus defensores; exportar 100% dos homens feios e importar “novas peças bonitas”.

Educação: proibir escolas de oferecerem alimentos que não forem preparados em casa, pelas famílias; garantir aulas de “brincadeira com palhaço” nas escolas; garantir o direito a bicicletas para as crianças (apareceu em 13 cartas diferentes).

Entre a moral e a comédia: acabar com o programa A Voz do Brasil “porque é muito chato”; “mandar todo mundo para o inferno”; vedar festas como o Carnaval; punir pedófilos “com paus e pedras”; proibir rabiscar palavrões nas notas de dinheiro.

No emaranhado de sugestões improváveis, é possível enxergar preocupações sérias, misturadas às atividades do cotidiano: a criação do SUS foi proposta em uma carta.

Ainda que muitas dessas propostas não tivessem cabimento no texto constitucional, elas nos ajudam a compreender o espírito que marcou aquele momento histórico.

No fim das contas, as cartas do projeto Diga Gente enriqueceram os debates da época e servem, hoje, de material precioso para entender como o Brasil sonhava, protestava e se divertia.

Para quem tiver interesse, estas cartas estão disponíveis no site do Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/constituicao-dos-sonhos/


Francisco Carbonari é ex-secretário de Educação de Jundiaí

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