OPINIÃO

Perdido na rota


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No livro “100 Palavras de Santa Teresinha”, Angelus Livraria, do Frei Patrício Sciadini, OCD (Sacerdote carmelita, italiano, morou no Brasil 40 anos e mora no Egito na Basílica de Santa Teresinha)., existe a palavra “Bússola”. O texto começa assim: “Todos nós, no caminho da nossa vida terrena precisamos de ajuda para não nos afastar do centro, mas também de uma “bússola” para que, nos momentos em que não encontramos mais o caminho, possamos parar e retornar através da bússola, a nossa orientação.

Veio-me o jovenzinho que conheci na barriga da mãe, quando ela se encontrava detida. Constatou a gravidez aos quatro meses. Como já a conhecia, eu que lhe disse sobre sua barriga. Ela perdera a noção dos melhores caminhos. O motivo não sei. Creio que há certas fragilidades que impedem a pessoa de assumi-las e a conduzem para a fuga. Foi a situação dela. Estudara, diferente da mãe, nos arredores de tribo, o necessário para ler e escrever e tivera uma profissão com carteira assinada. Desconheço se foi de repente ou se com consciência e pensado que ela experimentou pela primeira vez o pó e sentiu “aliviada” de suas dores. Tão quebradiças as suas emoções que se viciou na primeira vez. O filho, sobre o qual escrevo, nasceu depois.

Conheço gente miúda e um pouco maior que ficou com sequelas da gravidez. Justificável. Conheceu na barriga da mãe a aceleração dos batimentos cardíacos, tremores, excitação.  O cachimbo.  Já sentiu a mãe eufórica, com sensação de poder e aumento da autoestima, para em seguida mergulhar no abismo.

O pai dele... Ah, e o pai dele? Como identificar? Primeiro encerraram a sua pergunta dizendo que havia morrido. Talvez até tenha acontecido isso. Com o tempo, soube que era ignorado e cresceu sua revolta contra seu nascimento. Acentuou-se mais ainda quando, após alguns anos de abstinência, ela se deixou levar para a rua. No entendimento dele, não o amava. A droga era mais querida que os filhos. Com certeza não é isso, mas sim o desespero interno que pede alguns instantes de ilusão. Aos poucos se consome em meio a palavras desconexas. A imaginação repleta de fantasmas.

O menino virou adolescente e se enturmou nas proximidades. Quando havia risco na comercialização do ilícito, atravessava rapidamente uma espécie de pântano. Foi nas imediações que experimentou o “produto” que a mãe usa, desesperançado de uma família sem gritaria e atritos. Se a mãe aparecesse, por certo ficaria “orgulhosa” em vê-lo como comerciante do que lhe roubara o convívio com os filhos.

Faltou-lhe e ainda falta a bússola de sua vida. Já que pediu ajuda em serviço municipal, talvez agora encontre e possa experimentar o amor, em lugar das mortes que o rodeiam.

No texto do Frei Patrício Sciadini, OCD, a respeito de Santa Teresinha e a bússola, existe uma oração que termina dessa maneira: “Fica comigo como um dia ficaste ao lado dos discípulos de Emaús. Faz com que eu Te convide a entrar na minha casa e que Te reconheça ao repartir o pão! Dá-me a alegria de não caminhar sempre por minha cabeça e nem com a cabeça dos outros...”. Rezo pelo mocinho e por quem o acolheu. Haverá de recuperar a rota que dá sentido à existência humana.

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)

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