Nos últimos anos, os Tribunais de Contas ganharam protagonismo crescente no cenário da administração pública brasileira. Suas decisões deixaram de ser vistas apenas como julgamentos técnicos de contas anuais ou pareceres sobre editais de licitação e passaram a influenciar diretamente a rotina de gestores e servidores municipais. Poucas prefeituras, no entanto, têm dado a devida atenção a essa realidade, o que pode resultar em equívocos graves de gestão e responsabilidade.
É preciso compreender que as manifestações dos Tribunais de Contas possuem efeitos que ultrapassam o caso específico sob análise. Quando um edital de concorrência é suspenso, ou quando um parecer sobre contas anuais aponta falhas de execução orçamentária, não se trata apenas de uma decisão isolada: cria-se um precedente administrativo que serve de paradigma para todos os municípios. Assim, prefeitos e secretários não podem se dar ao luxo de ignorar esses entendimentos.
Nesse contexto, a estruturação de um corpo técnico especializado dentro das prefeituras torna-se essencial. É esse time que deve acompanhar de perto as decisões das Cortes de Contas, interpretar o que está sendo consolidado como jurisprudência administrativa e aplicar tais parâmetros na realidade local. Em muitos municípios, essa função recai sobre o Controle Interno, órgão que, em sua essência, deve ser mais orientador do que punitivo, apoiando o gestor na condução correta das políticas públicas.
Contudo, observa-se que em algumas cidades o Controle Interno tem assumido uma postura equivocada, como se fosse um poder paralelo dentro da prefeitura, distante da ideia de assessoramento. Essa inversão fragiliza a relação institucional e prejudica o interesse público. O correto é que o Controle Interno, em sintonia com o jurídico e com as áreas técnicas, utilize os entendimentos dos Tribunais de Contas como guias para a boa administração, evitando riscos de reprovação de contas ou responsabilizações futuras.
Outro ponto que merece destaque é a natureza multidisciplinar das decisões das Cortes de Contas. Diferente do que muitos imaginam, a defesa ou manifestação em processos de acompanhamento não é tarefa exclusivamente jurídica. É comum que as demandas envolvam questões de engenharia, economia, orçamento público, contabilidade, tecnologia da informação ou saúde. Por isso, a resposta adequada exige diálogo entre profissionais de diferentes áreas, com o jurídico garantindo a conformidade legal, mas sem centralizar todo o trabalho.
Na prática, cada manifestação perante os Tribunais de Contas deve ser vista como uma construção coletiva, em que engenheiros explicam projetos, contadores esclarecem números, técnicos de TI descrevem sistemas e advogados estruturam a base normativa. Essa integração é o que confere robustez às defesas municipais e fortalece a imagem de uma gestão comprometida com a legalidade e a eficiência.
Portanto, mais do que enxergar os Tribunais de Contas como meros órgãos fiscalizadores, prefeitos e gestores precisam encará-los como fontes de orientação. As decisões dessas Cortes oferecem verdadeiras lições de administração pública e devem ser utilizadas como referência para prevenir falhas e aprimorar políticas. É nesse diálogo entre fiscalização e gestão que se encontra o caminho para um serviço público municipal mais transparente, técnico e eficiente.
Marcelo Souza é advogado, consultor jurídico e mestre em Direito Constitucional (marcelosouza40@hotmail.com)