OPINIÃO

Pachamama: a saúde que vem da Terra


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No início de agosto, em diversas regiões da América do Sul, especialmente nos Andes, celebra-se o Dia da Pachamama, uma tradição ancestral de agradecimento à Terra e à vida. Mais do que um ritual, essa data carrega um chamado simbólico e profundo: lembrar de onde viemos, de onde vem nosso alimento, nosso corpo e nossa energia.

Pachamama, na língua quéchua, falada pelos povos indígenas andinos, significa “Mãe Terra” ou, em um sentido mais amplo, “a mãe do espaço-tempo”. Ela é a representação viva da natureza como fonte de nutrição, abrigo, regeneração e sabedoria. Na cultura andina, Pachamama não é uma entidade distante ou mítica. Ela é a própria Terra, viva, sensível e interligada a todos os ciclos do corpo e do cosmos.

Para os incas, Pachamama era considerada uma das divindades mais importantes do panteão andino (que significa conjunto de deuses de um povo, de uma religião politeísta). Ela não era apenas a deusa da fertilidade, mas a própria expressão da terra viva,  responsável por nutrir, sustentar e manter o equilíbrio entre os humanos e a natureza. Diferente de outras culturas, em que o sagrado está separado do cotidiano, para os incas tudo era vivido em relação direta com a Pachamama: plantar, colher, respirar, caminhar, agradecer. O respeito à Terra era parte da vida comum, e todo ato que envolvia uso dos recursos naturais vinha acompanhado de um ritual de gratidão. Assim, a Pachamama não era apenas cultuada, era cuidada e sentida como mãe presente em cada passo e em cada alimento. Eu tive a oportunidade de sentir isso na pele, no Peru e consegui compreender o valor que Pachamana tem na cultura andina. E confesso, isso tudo entrou no meu coração. 

Em tempos de pressa, excesso de estímulos e desconexão com a natureza, relembrar o que Pachamama representa é também refletir sobre como temos cuidado do nosso corpo e da nossa energia vital. A natureza, para os povos tradicionais, não está do lado de fora, ela está em nós. O corpo humano é extensão da Terra: temos ossos como temos montanhas, rios internos como o sangue que circula, respiração que se entrelaça com o vento, e uma microbiota que espelha os ciclos da floresta.

Na celebração da Pachamama, é comum ver pessoas oferecendo à terra folhas de coca, grãos, frutas, flores e até água, como forma de agradecer por tudo o que foi recebido. Esse gesto simples carrega um princípio fundamental: dar e receber em equilíbrio. Essa lógica vale para a Terra e vale para o corpo. Quando apenas exigimos, cobramos, aceleramos e acumulamos, sem pausas e sem escuta, o resultado é o desequilíbrio: físico, emocional e ecológico.

A medicina atual começa a reconhecer aquilo que as tradições indígenas sempre souberam: a saúde é cíclica, integrada e relacional. O corpo não está separado do ambiente. O modo como nos alimentamos, dormimos, respiramos, nos movemos e nos conectamos afeta diretamente nossa fisiologia, nosso sistema imunológico e nosso estado mental. E quando há reconexão com o que é essencial, silêncio, natureza, presença, há também autorregulação. O sistema nervoso se equilibra. A inflamação diminui. O sono melhora. A digestão flui.

Pachamama também representa o arquétipo do feminino essencial: a energia que acolhe, nutre, gera, transforma e sustenta. Está presente em homens e mulheres, e manifesta-se não apenas na maternidade, mas na capacidade de criar, regenerar, perceber, cuidar, respeitar os ritmos. No corpo, essa força aparece como intuição, sensibilidade, escuta profunda e consciência orgânica.

Cuidar da Pachamama é, portanto, também cuidar de si. É reaprender a respeitar limites, a descansar, a ouvir os sinais sutis do corpo. É perceber que saúde não é ausência de sintomas, mas um estado de coerência entre corpo, mente e ambiente.

Nos Andes, diz-se que a terra sente quando é pisada com pressa. Talvez o corpo também sinta quando é habitado sem presença. Relembrar Pachamama é um convite a rever nossa relação com o tempo, com o corpo e com o planeta. E nesse processo, reencontrar o que de fato nos sustenta. Muita saúde a todos

Liciana Rossi é especialista em coluna e treinamento desportivo, pioneira do método ELDOA no Brasil (licianarossi@terra.com.br)

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