Referentemente ao que já escrevi anteriormente sobre emendas parlamentares, faz-se necessário retornar ao tema, dada a sua relevância prática e o impacto crescente que essa dinâmica tem sobre o funcionamento dos municípios brasileiros. No artigo anterior, destaquei que a cada exercício orçamentário os prefeitos tornam-se mais dependentes das emendas parlamentares, as quais, embora importantes, são, em sua grande maioria, insuficientes, engessadas e submetidas a critérios operacionais que nem sempre espelham a real urgência municipal. São recursos que, na prática, não chegam automaticamente às administrações locais. Passam primeiro pela indicação dos deputados, depois enfrentam um emaranhado de exigências técnicas e, por fim, se concretizam – quando muito – em ações fragmentadas e de execução demorada.
Contudo, ao observar com mais atenção a estrutura dos pequenos municípios, percebe-se um fator ainda mais preocupante e menos debatido: as emendas parlamentares, muitas vezes, não chegam justamente onde mais se precisa delas. Estudos recentes demonstram que há uma tendência de concentração de emendas em municípios com melhores indicadores de saúde, infraestrutura mais consolidada e maior orçamento per capita, sobretudo na área da saúde. Isto é, ao invés de promoverem a equidade, as emendas acabam, em muitos casos, reproduzindo e até ampliando as desigualdades regionais já existentes.
Essa constatação nos leva a um ponto nevrálgico e incômodo: os municípios com menor cobertura em atenção básica e menos recursos próprios disponíveis são, paradoxalmente, os que menos recebem emendas parlamentares. E isso se dá não por falta de necessidade, mas por ausência de visibilidade política e densidade eleitoral. Afinal, é inegável – e aqui não se trata de condenar, mas de reconhecer com honestidade – que há uma correlação entre a destinação de emendas e o retorno político-eleitoral que elas podem proporcionar.
Não sou contra o uso estratégico das emendas parlamentares como instrumento de articulação política – aliás, faz parte do jogo democrático. No entanto, o Congresso Nacional precisa ter a grandeza de reconhecer que é urgente estabelecer regras mais claras, técnicas e republicanas para que as emendas parlamentares cumpram sua função pública maior: promover o desenvolvimento igualitário do território nacional.
Há, sim, parlamentares comprometidos com os pequenos municípios e que destinam recursos para regiões historicamente negligenciadas. Mas há também situações que beiram o absurdo: como o caso de um deputado federal que destinou emenda para o recapeamento de ruas em um condomínio fechado de alto padrão em Alphaville, Barueri – uma área notoriamente abastecida por recursos próprios e sem carência social.
Precisamos de uma mudança normativa que democratize o acesso às emendas e que privilegie, com base em indicadores públicos e auditáveis, os entes municipais em maior estado de necessidade. O Brasil precisa, urgentemente, discutir esse tema com responsabilidade e coragem. A boa política nasce quando se reconhece o problema e se constrói, a partir dele, soluções reais e sustentáveis. E isso começa por entender que o desenvolvimento municipal equilibrado é pilar fundamental para uma federação verdadeiramente justa.
Marcelo Souza é advogado, consultor jurídico e mestre em Direito Constitucional (marcelosouza40@hotmail.com)