As pessoas riem de mim quando não sigo o waze. Faço os caminhos de Jundiaí pelas ruas que mais gosto. Sempre que possível, passo na rua Prudente de Moraes e digo alô para a memória de Josette Feres, para as casas avarandadas, pelos quintais com jabuticabeiras e cadeiras na varanda. Volto pela rua XV de novembro olhando para as casas antigas, sentido rua Jules Rimet e para a casa de meu avô, de novo na Prudente, bem no seu finalzinho. Não à toa, meus bares preferidos estão ali, o Palma (que ainda chamo de Padaria Palma) e o Chafariz.
Meu avô, ferroviário, morou ali até eu ter 7 anos. Com sua aposentadoria, mudou-se para a Vila Margarida, na Vila Rio Branco. Seu Benedicto me deixou saudades profundas, com seu rádio ligado na cobertura da Câmara, onde meu tio, Antônio Tavares, era vereador. Essa imagem nunca me saiu da memória. O vovô sentado em sua cadeira ou deitado na sua cama, com a Rádio Difusora conectada para acompanhar a política jundiaiense. Às vezes, 33 anos após sua morte, ainda sinto o cheiro de sua colônia de barba.
Eu, jovem repórter, acompanhando a administração de Walmor Barbosa Martins, fui chamada às pressas para uma reunião. Walmor tinha prometido que a nova avenida que estava construindo ia se chamar avenida dos Ferroviários, porém, como sempre foi de seu feitio, no meio da obra resolveu homenagear o Sr. Luiz Latorre - um emérito cidadão jundiaiense que conheci e admirei. Porém, os ferroviários aposentados não gostaram. E adivinhem! Quando chego no gabinete, a revolta era liderada pelo meu avô. Eu, neta orgulhosa, jornalista que não devia ter opinião, pendi para o lado familiar. Walmor foi brilhante. Resolveu dividir o nome da avenida. Ali, às margens da ferrovia, é dos ferroviários. Depois da Antonio Segre, avenida Luiz Latorre.
A casa de meu avô sempre aberta e com mesa farta a quem chegasse. Os mendigos eram usuários habituais da comida de minha avó, que era maravilhosa mesmo. Vovô dizia que a gente nunca devia negar comida a ninguém. Mais velha, conheci uma senhora que disse que fora alimentada pelos meus avós, diariamente, enquanto a mãe se recuperava de um câncer. A vida era assim em Jundiaí. Todo mundo se conhecia e se apoiava.
Outra rua que passo sempre, mesmo mudando de direção, é a rua Anchieta. Para admirar suas árvores, suas casinhas que ainda sobrevivem e as memórias de quando morávamos ou trabalhávamos por ali. A Chácara Urbana, naquela época, era um local de boas residências e gente simpática. No afeto, ainda tenho a rua Culto à Ciência, onde está o Bionathus, estúdio de yoga, e o La Danse, onde faço flamenco. Meus grandes amores também estão por ali.
Da rua do Retiro, nossa espécie de Cambuí, gosto das ruelas transversais. Com suas casas antigas, quintal na frente e atrás. São ruas quietas, com avós que cuidam de suas netas e netos. Minha casa mesmo ficava na estrada de Itatiba, na chácara onde crescemos meus irmãos e eu, repleta de primos e tios nos finais de semana.
Não há comparação com o ritmo das famílias atuais, mas essa convivência resultou em um amor único e amizade que mantemos até hoje. Pelas ruas de Jundiaí, ainda se acrescentavam os amigos, que ainda vejo. A gente se reunia para estudar no Gabinete de Leitura Ruy Barbosa. Desses encontros, saíram um delegado da Polícia Federal, meus amigos médicos e advogados. Era uma Jundiaí única, mas as ruas ainda salvam meu coração de tanta saudade.
Ariadne Gattolini é jornalista e escritora. Pós-graduada em ESG pela FGV-SP, administração de serviços pela FMABC e periodismo digital pela TecMonterrey, México. É editora-chefe do Grupo JJ.