OPINIÃO

Nos tempos do Samdu


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Se a Guarda Municipal tinha o carro 13, preto, e que assustava as crianças quando circulava pela cidade, a ambulância do Samdu era exatamente o oposto: branca e alegre. Apesar de as crianças não imaginarem que, dentro dela, poderia estar alguém correndo risco de morte. Mas ouvir a sirene ligada, percorrendo ruas onde a maioria dos veículos eram carroças e bicicletas, era algo diferente. Se fosse o 13, a garotada corria para casa. E isso ninguém sabia explicar o porquê...e só voltava para a rua quando o veículo já tivesse feito a curva no final do quarteirão. Mas se fosse o Samdu, a gente corria, tentando acompanhar e saber onde ia. E depois avisava a mãe que tinha alguém doente por perto.

O que me deixava intrigado era o nome, pintado em vermelho na ambulância branca: Samdu. Queria saber porque havia o “m” antes do “d” se dona Benedita, primeira mestra, já dissera que a letra “m” só aparecia antes de “p” e “b”. Se a letra fosse outra, o que viria antes seria o “n”. E era meu irmão mais velho, Ademir, que me explicava que este caso era exceção, já que Samdu era uma sigla.

E, pacientemente, me explicava o que significava a palavra. Eram as iniciais de Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência, no caso, o Samdu. E a ambulância percorria toda a cidade. E sempre com um médico visitando o doente em casa.

A sede do Samdu, em Jundiaí, era na rua Major Sucupira, próximo ao quartel da 2ª Companhia de Comunicações. Apesar de ter descoberto isso nos últimos dias do Samdu na cidade, também em minha casa, o médico deste serviço apareceu.

Foi entre os anos de 1957-58, se minha memória não está me traindo neste momento. É que nestes anos corriam boatos de que uma epidemia de gripe assolava Jundiaí. Era a gripe asiática que eu, como todas as crianças, não tinha a dimensão da gravidade da mesma.

E era só um resfriado qualquer aparecer em alguém da família que lá vinha a ambulância do Samdu... Em casa, acabei ficando com gripe, juntamente com meu irmão Osmar que, na época, tinha apenas 4 anos e eu chegava aos 7. O meu caso era mais simples, mas Osmar acabou sendo levado pelo médico ao hospital para tomar soro, pois ficara muito fraco por não conseguir se alimentar. E ele foi o único de casa a passear na ambulância branca do Samdu. Ah sim, claro! Junto com dona Angelina, nossa mãe, que jamais abandonaria um filho num veículo desconhecido. Mas nada de gripe asiática.

Quando o médico disse que ela não tinha chegado a Jundiaí, confesso que fiquei frustrado. Talvez porque seria importante dizer um dia que “eu tive gripe asiática...” Principalmente sabendo que ela tinha matado mais de um milhão de pessoas em todo o mundo.

E o Samdu se foi, desapareceu. Assim como o carro 13 da Guarda Municipal, que a gente queria saber onde estavam os outros 12, já que só um aparecia.

Mas lembranças da infância são assim: coisas que não desaparecem, que se transformam em estrelas e que brilham nas noites de nossa memória. Mesmo que seja uma simples ambulância branca fazendo uóóóóóóóóóóóó para curiosidade da garotada.

Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)

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