OPINIÃO

A geração conectada e os riscos para a coluna


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Você já reparou na postura dos adolescentes enquanto usam o celular? Ombros projetados para frente, cabeça baixa (ou melhor, pendurada), coluna em flexão, uma postura horrorosa. O pior é que a cena é comum e preocupante. Vivemos a era da hiperconectividade, em que meninos e meninas passam horas diante das telas, mergulhados no universo digital. Mas enquanto ganham agilidade nos dedos, perdem mobilidade na coluna e principalmente a consciência corporal, na verdade perdem muito mais, mas focaremos neste assunto hoje.

A adolescência é uma fase de intensas transformações físicas, emocionais e sociais. É nesse período que o corpo se reorganiza, os hormônios entram em ebulição e a identidade começa a ser construída. O esqueleto ainda está em formação, os músculos e articulações se adaptam rapidamente e a postura é extremamente sensível a estímulos, tanto positivos quanto negativos. Infelizmente, o que mais vemos hoje são estímulos negativos: sedentarismo, excesso de tecnologia, má alimentação e sono de baixa qualidade.

Não se trata apenas de uma geração mais "relaxada". Estamos diante de um verdadeiro desafio de saúde pública. Dados recentes mostram que cada vez mais adolescentes apresentam dores na coluna, enxaquecas tensionais, alterações respiratórias e até dificuldades de concentração associadas à má postura. Sim, a forma como sentamos e nos movimentamos impacta diretamente não apenas a biomecânica do corpo, mas também o funcionamento do sistema nervoso, a respiração, o humor e a cognição.

A tecnologia, que deveria facilitar a vida, tem promovido um corpo encurtado e um cérebro sobrecarregado. O uso prolongado de dispositivos eletrônicos promove o chamado "pescoço de ganso", uma sobrecarga cervical causada pela inclinação constante da cabeça para frente. A cada 15 graus de inclinação, o peso que a cabeça exerce sobre a coluna cervical pode dobrar. E isso, repetido por horas ao dia, todos os dias, causa adaptações negativas nas estruturas musculoesqueléticas, além de reduzir a capacidade respiratória e afetar até mesmo o tônus do sistema digestivo.

Como disse, quando inclinamos a cabeça para frente, o ângulo de flexão aumenta a carga sobre a coluna cervical, quero frisar um pouco mais este assunto, pois nem só os adolescentes vêm sofrendo com isso. A cada 15° de inclinação para frente, a carga sobre a cervical praticamente dobra. Veja a progressão: em uma posição neutra o peso é cerca de 4,5 a 6,5 kg, com um olhar no horizonte e com a coluna alinhada. Com apenas 15° de inclinação há cerca de 12 kg de carga sobre a cervical. Com 30° de inclinação, cerca de 18 kg de carga. Se aumentar para 45° de inclinação, haverá cerca de 22 kg de sobrecarga e com 60° de inclinação, pasmem: cerca de 27 kg de carga! Nossa coluna cervical não suporta tanta carga. Com o tempo, isso pode levar a protrusões discais, tensão crônica, cefaleias crônicas, bruxismo, alterações respiratórias e o comprometimento do sistema nervoso autônomo.

Outro ponto crítico é o abandono do movimento. Muitos adolescentes não praticam mais atividades físicas regularmente. Quando praticam, muitas vezes seguem rotinas inadequadas, que não consideram os desequilíbrios posturais já instalados. O resultado? Um corpo que cresce com compensações, fragilidades e uma baixa consciência corporal, o que aumenta o risco de lesões na vida adulta.

Mas nem tudo está perdido. O corpo humano tem uma impressionante capacidade de adaptação positiva,  desde que seja estimulado corretamente. A educação postural, o movimento consciente, os exercícios de alongamento miofascial, os treinamentos funcionais, o esporte em si, são ferramentas poderosas para reverter esse quadro.

Mais do que um problema estético ou de dor localizada, a má postura em adolescentes é um sinal de alerta para algo mais profundo. Estamos falando de uma geração que cresce desconectada do próprio corpo, hiperconectada ao virtual, e cada vez mais distante da natureza, do silêncio, do descanso e do movimento com propósito.

Meu alerta segue a todos os pais, educadores, profissionais da saúde e do movimento: precisamos agir rapidamente. Promover rodas de conversa sobre saúde postural nas escolas, limitar o uso de telas, incentivar práticas regulares de movimento variado e funcional, e sobretudo, ensinar os adolescentes a se perceberem. A autoconsciência é a base de qualquer mudança duradoura.

O adolescente que hoje sente dor nas costas, amanhã será o adulto com hérnias discais, lombalgias crônicas, insônia e ansiedade. Por isso, o cuidado começa agora. Investir em educação corporal, movimento inteligente e práticas integrativas desde cedo é um presente que damos não apenas para o momento atual, do qual já sentem dores e desconfortos, mas para o futuro desses jovens, para que haja saúde.

Se queremos uma geração saudável, resiliente e bem preparada para os desafios do mundo moderno, precisamos ensinar nossos adolescentes a reconectar corpo e mente, com presença, com movimento e com postura. Muita saúde a todos.

Liciana Rossi é especialista em coluna e treinamento desportivo, pioneira do método ELDOA no Brasil (licianarossi@terra.com.br)

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