Nestas últimas semanas, entrevistei a competente delegada da DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) de Jundiaí, Dra. Ingrid Carneiro, sobre a epidemia de feminicídios e violência contra a mulher. Ingrid acredita que este crime sempre existiu e, durante muito tempo, foi aceito pela sociedade e só agora as mulheres, parentes, amigos e vizinhos têm coragem de denunciar ao ver uma mulher apanhando, sendo ameaçada ou morta.
Comovi-me quando ela disse que só se tornou DDM porque assistiu a mãe sendo vítima de violência doméstica. Cada uma de nós tem, em si, ou na família, um crime registrado contra nosso corpo, vida, patrimônio ou saúde mental.
Depois de mais de três décadas no jornalismo, eu não sei como ainda não pirei nem me tornei insensível a estes crimes. Muitas mulheres buscaram o jornal para a denúncia, muitas crianças abusadas foram protegidas por este jornal, ao denunciar seus abusadores - mesmo que tenhamos corrido o risco de também sermos processados.
Graças ao bom senso, nunca o fomos.
Logo depois do podcast com a Dra. Ingrid, ainda arrasada com o crime do Boulevard Beco Fino, onde uma linda moça foi assassinada pelas costas, por não ter correspondido ao amor de um bandido, fiquei estarrecida por dois acontecimentos no último final de semana. Um, de uma haitiana que deu à luz em casa a um feto de 25 semanas, e foi incriminada. O feto teria marcas de fraturas. O outro de uma moça, de 22 anos, que era constantemente estuprada pelo fornecedor de drogas. Ela morreu de overdose.
Essa é a nossa Jundiaí real - muito distante do paraíso dos condomínios fechados, da 9 de Julho luminosa ou de nossa tradição alegre.
Ainda no final de semana, pedi apoio à Defensoria Pública, através do coordenador Fabio Sorge, para cuidar juridicamente da gestante. Porque uma mulher que acaba de dar à luz sozinha, de um feto, não está em perfeitas condições mentais, hormonais ou físicas para ser responsabilizada sem acompanhamento jurídico e psicológico. A OAB-Jundiaí também foi comunicada e se manteve à disposição.
Crimes que envolvem mulheres comovem pouco. Na legislação patricarcal, na religião impiedosa, na caça às bruxas, as mulheres são culpadas por tudo e todos.
Há outro fato que me deixa insone. Como estamos recrutando pessoas para trabalhar conosco? Quantos homens assassinos estão à solta em nossas ruas? Quantas prisões preventivas são negadas a estes mesmos homens que assassinam suas esposas em frente aos filhos?
A justiça não é só cega. O corpo e a alma de uma mulher são baratos em nossa sociedade. Para que uma mudança efetiva aconteça, é preciso que se eduquem melhores os homens, que os encarcerados tenham acesso a cursos de capacitação emocional, como já ocorreu no CDP-Jundiaí, e entendam que bater, agredir, perseguir uma mulher é crime. Muitos não sabem que são criminosos, acreditam? Agredir uma mulher é tão normal em nossa sociedade, que esta qualidade de homens não entende que estão ultrapassando os limites legais.
A justiça só vai melhorar quando os jovens doutores da lei se tornarem promotores, juízes e delegados de polícia. Até lá, meu sonho é para que haja uma Vara Especializada de Atendimento a Mulher em cada fórum. Porque do jeito que as coisas andam, nossas filhas correm perigo. E o perigo maior, na minha opinião, é a impunidade destes criminosos. #justiçaportais
Ariadne Gattolini é jornalista e escritora. Pós-graduada em ESG pela FGV-SP, administração de serviços pela FMABC e periodismo digital pela TecMonterrey, México. É editora-chefe do Grupo JJ.