Há algo profundamente inquietante nos conflitos que se agravam no Oriente Médio. E não trato apenas da tragédia humanitária evidente, mas sim a aparente indiferença de quem poderia evitá-los. Em vez de esforços sinceros por diálogo ou contenção, cresce a sensação de que alguns grupos, e até nações, parecem buscar deliberadamente a escalada da guerra, como se a destruição total fosse o único caminho possível para afirmar um ponto de vista.
O que está em jogo aqui vai além da geopolítica. Trata-se de uma completa erosão da empatia. Para esses senhores da guerra, a dor do outro não importa. Crianças, civis, famílias inteiras são reduzidas a números e "efeitos colaterais". Essa desumanização não surge do nada, mas floresce num terreno fértil de fanatismo, radicalismo e, sobretudo, impunidade.
O sociólogo Zygmunt Bauman falava da “modernidade líquida”, onde relações se tornaram frágeis e descartáveis. Nesse contexto, o outro se torna invisível. Quando o sofrimento alheio deixa de nos incomodar, abrimos caminho para a barbárie. E olha que não é preciso ir longe para perceber isso.
No Brasil, o mesmo desprezo pelo outro aparece na naturalização de discursos autoritários, na complacência com ataques às instituições, e na tolerância com atos antidemocráticos. Há quem relativize ou até apoie tais movimentos, acreditando que fins justificam meios — mesmo quando esses meios flertam com o abismo.
A lógica é a mesma: a crença de que minhas ideias, minha fé, meu grupo ou minha visão de mundo são mais importantes que a convivência, que a lei, que a dignidade do outro. Quando não há punição para quem espalha violência, rompe com o pacto democrático ou patrocina a dor coletiva, a impunidade vira combustível para a repetição.
A filósofa Hannah Arendt, ao analisar os crimes do nazismo, alertou para a “banalidade do mal”: não aquele grandioso e cruel, mas o “pequeno” mal burocrático, rotineiro, praticado por pessoas que “apenas seguem ordens”, sem pensar nas consequências humanas. Esse mal banal se apresenta sempre que a empatia se ausenta.
Mas o mais chocante talvez seja constatar o quanto a vida humana perdeu valor diante da lógica da força. Morre-se aos montes, e o mundo simplesmente assiste. Vidas são destruídas como se fossem descartáveis. Há discursos que justificam a morte como se fosse uma consequência inevitável de “causas superiores”, sejam religiosas, políticas ou patrióticas. Um tipo de racionalização do horror que transforma tragédia em rotina.
Parece que não aprendemos nada. Se ficarmos apenas no século XX temos péssimos exemplos: desde a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), com suas trincheiras enlameadas e jovens ceifados pela vaidade imperial; a Segunda Guerra (1939-1945), com o Holocausto e as bombas nucleares; sem falar de limpezas étnicas e das intervenções já no século XXI que deixaram países esfacelados... tudo isso deveria bastar como alerta definitivo. Mas parece, repito que não aprendemos nada. A história não é mestra de ninguém quando os ouvidos estão tapados pela arrogância.
Continuamos a girar em torno do mesmo eixo de brutalidade, como se a guerra fosse inevitável (ou pior: desejável). Em muitos discursos, a paz soa fraca, idealista demais. A força, o confronto, o domínio, ainda são celebrados como virtudes. Como se a morte do outro fosse prova de vitória. E assim vamos acumulando ruínas.
Estamos diante de uma crise global de sensibilidade. Em vez de valorizarmos a vida, cultivamos trincheiras ideológicas. Em vez de buscar pontes, erguemos muros.
A paz exige muito mais do que tratados: exige coração. E, sobretudo, coragem para reconhecer no outro alguém que merece viver, existir e ser respeitado.
Sem empatia, o mundo desaba primeiro por dentro.
Depois, inevitavelmente, por fora.
Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)