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Taxa de homicídios cai, mas violência matou quase 46 mil num ano

Por | da Redação
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Reprodução/Tânia Rêgo/Agência Brasil
A taxa nacional foi de 21,2 mortes por 100 mil habitantes.
A taxa nacional foi de 21,2 mortes por 100 mil habitantes.

O Brasil registrou 45.747 homicídios em 2023, o menor número dos últimos 11 anos, segundo o Atlas da Violência 2025, divulgado nesta segunda-feira (12) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

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A taxa nacional foi de 21,2 mortes por 100 mil habitantes, representando queda de 2,3% em relação ao ano anterior. Apesar da melhora nos indicadores gerais, o levantamento acende o alerta para o aumento da violência contra crianças, adolescentes, mulheres e pessoas com deficiência.

A análise aponta que a redução da violência letal é resultado de múltiplos fatores. Entre eles, estão a transição demográfica, com envelhecimento da população, a diminuição de conflitos entre facções criminosas e mudanças significativas nas políticas públicas de segurança, com maior foco em inteligência e prevenção. Essa combinação favoreceu quedas contínuas nas taxas de homicídio em 11 unidades da federação nos últimos sete anos.

Diferenças regionais

Os menores índices de homicídios em 2023 foram registrados nos estados do Sul, além de São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal. Já as maiores taxas continuam concentradas nas regiões Norte e Nordeste. No recorte racial, a desigualdade persiste: pessoas negras têm 2,7 vezes mais chances de serem assassinadas do que pessoas não negras. Foram 35.213 vítimas negras no ano passado — uma leve queda de 0,9% em relação a 2022, mas um agravamento na desigualdade em relação a 2013.

Homicídios ocultos e mortes não esclarecidas

Um dos pontos mais críticos do relatório diz respeito às chamadas mortes violentas por causa indeterminada (MVCI). Entre 2013 e 2023, 135.407 pessoas morreram violentamente sem que a causa básica do óbito fosse determinada. A maior parte dessas ocorrências está concentrada em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, que juntas somam 66,4% dos registros.

Usando algoritmos de aprendizado de máquina, o estudo estima que cerca de 51.608 desses casos foram, na verdade, homicídios ocultos, o equivalente à queda de 100 aviões Boeing 747 completamente lotados, sem sobreviventes. Isso indica que o número real de homicídios no país, no período de 11 anos, pode ter chegado a 650 mil.

Apesar do cenário preocupante, houve avanços. Após a divulgação do Atlas anterior, vários estados se mobilizaram para melhorar a qualidade das informações. O Espírito Santo, por exemplo, reduziu de 205 para apenas 7 os casos estimados de homicídios ocultos em um ano, após integrar dados da saúde, segurança e planejamento.

Juventude em risco

A violência letal continua atingindo de forma desproporcional os jovens. Em 2023, 34% das mortes de pessoas entre 15 e 29 anos foram classificadas como homicídios. Essa faixa etária representa 47,8% dos assassinatos ocorridos no ano — uma média de 60 jovens mortos por dia. Entre 2013 e 2023, 312.713 jovens foram vítimas da violência letal no Brasil. Desses, 94% eram homens.

Crianças e adolescentes também figuram entre as vítimas. No período de 11 anos, foram assassinadas 2.124 crianças de 0 a 4 anos, 6.480 entre 5 e 14 anos e 90.399 adolescentes entre 15 e 19 anos. Em todas essas faixas etárias, as armas de fogo foram o instrumento mais comum nos homicídios. Entre adolescentes de 15 a 19 anos, 83,9% das mortes envolveram armas de fogo.

Além da violência letal, o estudo identificou um aumento preocupante nas notificações de violências físicas, psicológicas, sexuais e por negligência contra crianças e adolescentes. Em 2023, foram registrados 115.384 atendimentos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), um aumento de 36,2% em relação ao ano anterior. O crescimento mais alarmante ocorreu entre crianças de 0 a 4 anos, com aumento de 52,2% nas notificações de violência física.

A exposição contínua a essas formas de violência pode gerar impactos severos na saúde mental, como quadros de ansiedade, depressão e até suicídio. Entre 2013 e 2023, o número de suicídios entre crianças a partir de 10 anos e adolescentes cresceu 42,7%, totalizando 11.494 mortes.

Mulheres e violência de gênero

O número de homicídios de mulheres aumentou 2,5% em 2023, contrariando a tendência geral de queda. A taxa nacional foi de 3,5 mortes para cada 100 mil mulheres, mas alguns estados, como Roraima, apresentaram índices muito superiores: 10,4 por 100 mil.

As mulheres negras seguem sendo as principais vítimas: 68,2% dos homicídios femininos foram de mulheres pretas e pardas. A violência não letal também avançou. Em 2023, o número de atendimentos por violência doméstica chegou a 177.086, crescimento de 22,7% em relação ao ano anterior. Meninas de até 14 anos representaram 24,4% das vítimas.

Os tipos de violência variam com a idade: a negligência predomina entre meninas de até 9 anos; a violência sexual, entre 10 e 14; a física, entre 15 e 69; e novamente a negligência entre idosas a partir dos 70 anos. Em todos os casos, os principais agressores são homens, e 66,9% das vítimas relataram episódios anteriores de violência.

Povos indígenas, idosos e pessoas com deficiência

A taxa de homicídios entre indígenas foi de 22,8 por 100 mil habitantes em 2023 — acima da média nacional. Ainda assim, o número representa uma queda de 62,6% em relação a 2013.

Entre os idosos, os homens negros seguem como grupo mais vulnerável. A taxa de homicídio foi 61,3% maior entre negros (14,2 por 100 mil) do que entre não negros (8,8). A expectativa de vida ao nascer para homens, que era de 72,1 anos, poderia alcançar 75,3 anos na ausência de mortes por causas externas.

No caso das pessoas com deficiência, a violência afeta principalmente as mulheres, especialmente aquelas com deficiência intelectual, cujas taxas de notificação chegaram a 75,5 por 10 mil, quase três vezes mais do que entre os homens. A violência doméstica foi o tipo mais recorrente, com 11.344 casos registrados, seguida por violência comunitária, mista e institucional.

Violência no trânsito

O Atlas da Violência 2025 trouxe ainda uma novidade: uma seção dedicada à violência no trânsito. Entre 2010 e 2019, foram registradas cerca de 392 mil mortes em sinistros de transporte terrestre, um crescimento de 13,5% em relação à década anterior. A taxa de mortalidade também subiu 2,3%.

A tendência de alta continuou entre 2020 e 2023, especialmente entre motociclistas. Nos últimos 30 anos, as mortes envolvendo esse tipo de veículo cresceram mais de dez vezes. Em estados como o Piauí, 69,4% dos óbitos no trânsito envolvem motocicletas. Ao todo, 16 unidades da federação apresentaram percentuais acima da média nacional.

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