“Quanto mais inteligente nosso computador, mais burros seremos.” Mario Vargas Llosa
O ícone denominado o último gigante da geração dourada da literatura latino-americana, aquele que experienciou, participou e narrou o desenvolvimento da cultura em livros, o escritor peruano Mário Vargas Llosa, prêmio Prêmio Nobel de Literatura em 2010 nos deixou no último domingo, aos 89 anos.
Em quase um centenário de vida, escreveu romances, comédias, mistérios de assassinato e thrillers, em vários gêneros incluindo crítica literária e jornalismo. Na juventude, flertou com o comunismo. Mergulhou nos escritos de Marx, visitou Cuba. Enxergava em Fidel um heroi combatente da ditadura imbuído da construção do socialismo, como está escrito no prólogo de seu livro de ensaios “O Chamado da Tribo”. Divorciou-se dele em 1969, aderindo ao liberalismo, para nos últimos tempos ser considerado conservador.
No livro “A civilização do espetáculo”, publicado em 2012, Llosa já expressa a transição profunda da sociedade contemporânea rumo ao modelo no qual o entretenimento e a superficialidade tomam o lugar da reflexão crítica, da arte e da cultura letrada. A busca incessante pelo prazer imediato, alimentada pela hiperexposição a estímulos visuais e sonoros, redefine a forma como nos comunicamos, consumimos e nos relacionamos.
As consequências dessa verdadeira metamorfose cultural não vêm sem custo. Segundo Vargas Llosa, vivemos numa era em que os valores tradicionais são corroídos pela trivialização da vida pública. A cultura, antes entendida como espaço de formação ética, estética e intelectual, é reduzida a um mero produto de consumo. A sociedade se torna apática, alienada, anestesiada pela distração constante e gratificação imediata.
A educação e a formação crítica perdem espaço para a cultura do espetáculo, que valoriza o sensacionalismo em detrimento da substância. O imediatismo reconfigura a percepção de esforço e recompensa, gerando uma população menos resiliente e mais vulnerável emocionalmente. O impacto na saúde mental é significativo com o aumento da ansiedade, da depressão e da insatisfação crônica. Além disso, o declínio da cultura letrada implica em uma crise da linguagem e do pensamento. Em um ambiente onde a imagem substitui a palavra e a opinião superficial se sobrepõe à análise profunda, o espaço para a arte e a literatura se reduz drasticamente. Os artistas e escritores enfrentam o desafio de manter sua relevância em um mundo que já não valoriza o tempo da contemplação e da leitura.
Inspiração a partir de um evento macabro.
Durante a crise econômica de 2008, milhões de paparazzi esperavam um corretor da bolsa se jogar da janela. Como se chegou a isso? O quanto banal, frívola e nociva a cultura se tornou? Questiona o escritor, cuja cena foi motivação para escrever o livro “A civilização do espetáculo”, publicado em 2012.
Llosa destaca algumas razões que levaram a sociedade a isso. O bem-estar do pós-guerra gerou a frouxidão, já que as pessoas deixam angústias e perturbações de lado. A democratização da cultura fez a crítica perder sua relevância em uma sociedade pautada por pose e escândalo. A publicidade nas mídias sociais trouxe modas efêmeras e instantâneas, literaturas, cinemas e músicas, cuja correspondência tem o efeito dopante de uma droga: trazer complacência e autossatisfação, sem responsabilidade, reflexão e introspecção.
Sentirei saudades!
Rosângela Portela é jornalista, mentora e facilitadora
(rosangela.portela@consultoriadiniz.com.br)