OPINIÃO

A geração ansiosa não são as crianças, são os pais


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Para trazer nessa edição um dos assuntos mais comentados do momento, a discussão dos desdobramentos fora de controle no comportamento infantojuvenil, fiquei refletindo o que não seria mais do mesmo.

A série a respeito do tema, em alta no streaming mais conhecido, explodiu muitas mentes, mas eu precisava de provocações mais profundas.

E, como sempre, a minha filósofa e malvada favorita deu-me a fita de maneira irretocável. Generosamente me autorizou a usar seu texto, que reproduzo quase na íntegra. Você não escapará incólume a essa leitura.

Por Anna Flávia Ribeiro

Fomos excelentes em trocar liberdade por segurança, tempo por produtividade, silêncio por estímulo. Crescemos aprendendo a controlar tudo para produzir algo e agora temos pavor do que escapa ao nosso alcance: o tédio dos filhos, suas frustrações, seus caminhos incertos.

Vivemos dizendo que as crianças não aguentam frustração, que estão viciadas em telas, sem foco, sem autonomia. Eles ou nós? Porque essa frase me parece saída do confessionário de um RH.

Mas a verdade é: nós criamos isso. E continuamos alimentando.
Somos a geração de adultos classe média que não sabe ver uma criança entediada sem enfiar um tablet na mão dela. Que transforma qualquer desconforto em sinal de alerta. Que monitora, regula, protege não por sabedoria, mas por medo.

A ansiedade das crianças não nasceu sozinha. Ela é espelho da nossa. 
Do nosso pânico de errar. E de criar fracassados infelizes. Da nossa obsessão por controle. E de criar infelizes fracassados. Da dependência de muitos crescidinhos por dopamina, likes, validação disfarçada de “preocupação com o bem-estar”. Afinal filho bem sucedido é lustro pra ego.

Não é a infância que está quebrada. É a nossa relação com a infância. Tercerizamos a coragem pra ter mais tempo pra nós mesmos. Tá na moda querermos filhos resilientes e crianças com autonomia, mas não deixamos que se arrisquem pois rastreamos cada passo delas. Queremos que saibam lidar com a vida real, mas as criamos num zoológico de vidro.

Epicteto já avisava: “A chave da tranquilidade é aceitar que não temos controle sobre tudo.”

Mas nós preferimos acreditar que um aplicativo, uma câmera, um cronograma estruturado e zero tempo livre são a solução.

Spoiler: não são.

A infância precisa de chão, não de almofada. Precisa de tempo ocioso, de errar muito, de cair. A infância precisa de pais maduros, que saibam que as vezes não basta amor e esforço. Porque coisas horríveis podem acontecer com boas pessoas, muitas, muitíssimas vezes. Algumas se recuperam, outras não. E que não há jaula de vidro que elimine isso ou melhor, há: a abundância atual de espíritos infelizes, adoecidos e adoecedores viventes nasce daí.

A infância precisa, acima de tudo, de adultos que consigam sustentar o próprio desconforto sem tentar anestesia via algoritmo.

Se você quer ajudar seu filho a ser menos ansioso, comece com você.

Desinstale o medo. Pare de ter medo da vida, da rua e do futuro deles.

Reinstale a confiança aceitando que coisas boas andam intimamente coladas com coisa ruins.

Assuma seus fracassos como cicatrizes de batalha e os divida com os filhos. Assim eles talvez possam viver com os seus próprios em paz. Isso é amor de gente grande.

E por favor, deixe espaço para o vazio. Ele não destrói, ele forma.

Márcia Pires é Sexóloga e Gestora de RH (piresmarcia@msn.com)

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