OPINIÃO

Do vitimismo à caridade


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Dentre as frases de Dom Hélder Câmara (1909 – 1999) que me questionam está: “A miséria é um insulto ao Criador e Pai e uma vergonha para a humanidade, contra nós. Abrimos o eco... Difícil para nós é ter olhos para as injustiças que nós cometemos”. Quanta verdade existe nessa colocação. As injustiças de terceiros eu enxergo as minhas próprias não.

Nesta Quaresma tenho pensado nas ramificações da soberba em mim. Dom Joaquim Justino Carreira (1950- 2013), em seu livro “Trevas ou Luz”, coloca como três manifestações fundamentais da soberba: o domínio, o vitimismo e a mágoa. Medito sobre o vitimismo. Qualquer que seja a ramificação, é ele o oposto da verdadeira caridade. Percebo, dentre os empobrecidos com quem convivo, um respiro diferente em meio às tragédias que já experimentaram. Semana passada, quando houve um incêndio no Jardim Novo Horizonte, no depósito de sucata ao lado de um depósito de gás, para as pessoas, com quem conversei, o importante era não haver vítimas, pois as perdas, com a solidariedade, se ajeitam. Estavam lá e se dispondo a ajudar no que fosse preciso.

O que necessito, contudo, é abrir luz sobre o meu vitimismo de algumas vezes, como quando me sinto de sobra, pois junto com ele vem o julgamento e a condenação do próximo. E desejo firmemente ser do Amor.

Volto-me para Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face. Ela relata em seu Manuscrito A, que era verdadeiramente insuportável por sua sensibilidade excessiva e que todos os raciocínios eram inúteis e não conseguia corrigir-se desse defeito.  Deus lhe fez um milagre em 25 de dezembro de 1886. Ao voltarem da Missa, como de costume, estava ansiosa para pegar o presente nos sapatos. Ouviu do pai: “Enfim, felizmente é o último ano”. Magoou-se de imediato, mas uma força maior a tomou. A palavra do pai, constatando a sua idade, toca Teresa no coração. Segundo ela, começara o terceiro período da sua vida. Sentiu um desejo imenso de trabalhar pela conversão dos pecadores. Sentiu a caridade entrar em seu coração, a necessidade de se esquecer para agradar a Deus. Celebrou no Natal o admirável intercâmbio entre a força de Deus e a fraqueza do homem.      

Em um domingo, ao olhar uma foto de Jesus na Cruz, ficou impressionada com o sangue que caía de uma de suas mãos divinas. Refletiu sobre esse sangue caindo no chão sem que ninguém se apressasse a recolhê-lo. Resolveu ficar, em espírito, ao pé da Cruz para receber o sangue divino que se desprendia, compreendendo que precisaria, a seguir, espalhá-lo sobre as almas. Libertou-se dos escrúpulos e da sua sensibilidade excessiva.

Santa Teresinha passou a fazer todas as coisas para Deus, sem esperar nada das criaturas. Tornou-se assim forte e corajosa em sua alma.

Na Missa do domingo passado no Santuário Diocesano Santa Rita de Cássia, o Padre Márcio Felipe – Reitor e Pároco – em sua homilia a partir do Evangelho de Lucas, com a parábola do Filho Pródigo, comentou que com o abraço do Pai o mal se desfez. Quantas vezes fujo desse abraço, focada em meus melindres.

Desejo muito sentir que a caridade me tomou por inteira e que eu possa me relacionar com todas as pessoas com o coração unicamente em Deus.

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)

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