Na sexta-feira, dia 14, perdemos um brilhante jornalista, Emerson Leite, mais um ser humano dizimado pela fatal estatística de acidente de trânsito. Ele foi nosso companheiro por mais de dez anos, aqui na redação do JJ, e seu sorriso aberto e alma leve estarão sempre conosco.
Talvez eu tenha sido uma das primeiras pessoas a saber do ocorrido e a confirmar o óbito, mas tomei todas as providências para que o JJ não o notíciasse sem que a família tivesse sido informada e acolhida. Não é a primeira vez que me lembro de ter feito isso. Há muitos anos, me recordo, dois óbitos também não foram noticiados antes de a família saber, a meu pedido. Normalmente, vítimas deste mesmo trânsito fatal.
Mas o que eu gostaria de chamar a atenção foi por conta de um vídeo que subiu nas demais redes mostrando uma vítima sendo “resssuscitada” pela equipe do Samu, local bem próximo de onde Emerson faleceu, minutos depois. Provavelmente, aquele não era o vídeo de sua morte, mas de outra pessoa.
Agora, eu pergunto a vocês: qual é a intenção de uma pessoa que posta um corpo sendo ressuscitado nas redes sociais? Para que isso? Engajamento? Alguém pensou qual seria o impacto para as famílias envolvidas em acidentes naquela fatídica sexta-feira? E para as pessoas envolvidas no acidente? É justo expô-las desta forma? No caso do Emerson, não me pareceu que o motorista da carreta fosse o culpado pela colisão, já que ele nem viu o motociclista à sua traseira. Somos todos vítimas.
A crueldade das redes sociais precisa ser analisada. Antes de expormos as vítimas, deveríamos entender se a família ou ela mesma estaria de acordo. Obviamente, não estou falando dos crimes diários, bandidos, agressores ou até mesmo criminosos de colarinho branco, normalmente enviados à imprensa pela própria polícia. Estou falando de fatos corriqueiros que as pessoas filmam e postam sem pensar.
Eu não gostaria de ver meu pai sendo ressuscitado, apesar de saber que ele o foi, no hospital. Seria uma cena que não sairia da minha cabeça. Também não gostaria de ver meus filhos expostos a cenas, como radioterapia e afins, que já fizemos, mas não postamos. Se não for para ser uma mensagem positiva, pergunto mesmo: para que postar?
O que a gente devia se questionar é por que os peritos demoram tanto tempo a chegar no local dos acidentes, por que um corpo demora tanto para ser removido pelo serviço funerário. Afinal, meu amigo Emerson ficou mais de quatro horas, exposto, ali na rua, à espera dos serviços da Polícia Civil. Um descaso para com sua família.
Eu sou a favor de uma regulação imediata das redes sociais. Sei que estou na contramão do mundo. Mas do jeito que está não pode ficar. Porque estamos promovendo tristeza sem fim, depressões, assassinatos e suicídios. Não consigo me imaginar com um filho adolescente nessa época. Como eu conseguiria proteger meus filhos desta desinformação?
Por aqui, no JJ, não promovemos imagens que destroem vidas, desinformação ou que não consolem a família de ter perdido um ente querido. Só quem conheceu o Emerson sabe como ele lutou pelos direitos das pessoas vulneráveis, como não se conformava com os descasos e roubos governamentais e foi bom colega, bom marido, excelente pai. Liz, de apenas dois anos, não vai conhecer estas boas qualidades do pai. Se eu estiver viva, faço questão de consolá-la. Porque pessoas assim são raras.
Ariadne Gattolini é jornalista e escritora, pós-graduada em ESG pela FGV-SP, e editora-chefe do Grupo JJ