A plataforma UrbVerde apurou quais são as cidades paulistas mais afetadas pelas ilhas de calor. Esse fenômeno, assim como os desastres climáticos, não é natural. É provocado pelo homem. Como é que chegamos a elas?
Os rios são fontes de vida, pois são formados de água, o mais precioso líquido. Em lugar de reconhecer a valia dos rios, nós os sacrificamos. Construímos marginais nas áreas que são naturalmente várzeas. Enterramos os córregos d’água e demais afluentes. Impermeabilizamos o solo. E depois queríamos o quê?
As cidades brasileiras seguem o modelo de expansão da capital. Um plano de avenidas serve prioritariamente ao automóvel e não às pessoas. As várzeas deveriam ser ocupadas por vegetação e servir de parques lineares. O controle do clima urbano depende dos rios. Tentar “domá-los”, retificá-los, é um erro que custa vidas.
Sim, as ondas de calor matam mais do que as ondas de rio. As altas temperaturas são assassinas silenciosas, insidiosas e crescentes. Os Planos Diretores refletem a ignorância da engenharia, da arquitetura e da política. Transformar a margem de rios em avenidas para o trânsito, quase todo ele nutrido de combustíveis fósseis, o maior veneno para a atmosfera.
É significativo que nas cidades civilizadas, as frentes das residências se voltem para os rios. Aqui no Brasil, quase como regra geral, são os fundos das casas que confrontam com os cursos d’água. Total desrespeito pela natureza, difícil de corrigir quando há consolidação de uma ocupação irracional e perigosa. Os Planos Diretores, considerados essenciais, laboraram nesse erro.
Existe um remédio para corrigir o equívoco histórico. É fazer das áreas mais propensas à formação de ilhas de calor, parques lineares, com intenso plantio arbóreo. Essas glebas não podem ser destinadas à verticalização.
Se Jundiaí é uma cidade privilegiada, enquanto tiver a Serra do Japi em sua maior parte intocada, ela não pode descuidar as periferias. Há espaços ocupados por carentes que precisam ser gradualmente esvaziados e ceder lugar para florestas urbanas, jardins, qualquer espécie de cobertura vegetal com exemplares nativos da Mata Atlântica. É preciso ter coragem para restaurar áreas estratégicas para a segurança hídrica e para a preservação da biodiversidade, o que também auxilia na redução do efeito das ilhas de calor. Projetos como “Refloresta São Paulo” no “Projeto Nascentes” precisa ser levado a sério e envolver toda a população. A pauta climática deve ser prioritária em todas as cidades, pois não se pode esperar que a bizarra República assimétrica, a canalizar a maior parte dos recursos para a União, dê conta de atender às necessidades dos seis mil municípios brasileiros.
O urbanismo agora tem de ser sustentável, as cidades têm de ser resilientes, as soluções da engenharia e da arquitetura precisam ser de acordo com a natureza. As soluções baseadas na natureza são observadas em nações adiantadas e são elas que devem ser o modelo para o Brasil, não o negacionismo que a geopolítica reacendeu com o fortalecimento do fundamentalismo fanático destes últimos tempos.
Torcer para que Jundiaí continue fora dessa lista de quinze cidades que são, pela ordem, as mais quentes do Estado: 1. São Paulo; 2. São Bernardo do Campo; 3. Guarulhos; 4. Campinas; 5. Carapicuíba; 6. Santo André; 7. Santos; 8. São José dos Campos; 9. Cotia; 10. Mogi das Cruzes; 11. Osasco; 12. Mauá; 13. Embu das Artes; 14. Ribeirão Preto; 15. Suzano. Temos o know-how, mas não queremos continuar a produzir ilhas de calor.
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)