Antes de tudo, a resposta “curta e grossa” é ... não. Essa crença, que eu achava que era só promulgada na minha família, é também difundida entre outros descendentes de italianos, motivo pelo qual maioria dos meus leitores fieis já a terem ouvido alguma variante desta máxima sobre a importância de agasalhar-se.
Na verdade, gripes e resfriados, mais frequentes nas estações mais frias, consistem em sintomas provocados pela reação do organismo a uma infecção viral e o clima frio não tem a ver diretamente com essa inflamação.
Esta é a explicação bem acadêmica e formal para a afirmação, mas arrisco dizer que podemos fazer uma discussão mais ampla sobre essa questão, se me acompanharem.
É fato que a associação entre clima frio e infecções virais respiratórias é verdadeira, mas não conseguimos explicar bem o porquê, só sabemos que a relação não é diretamente causal. Provavelmente essa associação exista por vários fatores, de importância variável e por isso também são difíceis de serem testados e “comprovados” com experimentos simples.
Costuma-se pensar que o clima frio nos faz ter hábitos que aumentam a nossa exposição ao vírus, que normalmente vem de uma pessoa já infectada, mas vale lembrar que vírus resistem em superfícies e, por isso, depois de um tempo, o vírus está em todos os ambientes, propagados por ar-condicionado, notas de dinheiro e afins. Estamos expostos a todo o momento.
O que determina se ficamos resfriados ou não, a partir daí, é a capacidade de cada um reagir frente à exposição que está sujeito. São ações fisiológicas do nosso organismo que, no conjunto, chamamos de “imunidade”.
Sabemos que o frio deixa as células “de imunidade” menos “ágeis” para seu trabalho, também sem causa esclarecida, só um fato observável. Talvez esteja aí a sabedoria de se agasalhar, a fim de não atrasar as ações protetivas, bem como sua efetividade.
Contudo, sabemos também, que o sistema de defesa não funciona “sozinho”: ele é ativado e estimulado pelo sistema neurológico, um integrador de conhecimento, inclusive o que adquirimos no nosso aprendizado. Está aí o porquê o estresse psicológico acaba assumindo a “culpa” de várias doenças recorrentes entre aqueles que passam por situações emocionalmente aflitivas.
“Briguei com meu namorado e o estresse fez minha imunidade ‘baixar’ “– diria uma paciente, para dar um exemplo – “por isso agora estou com uma infecção de garganta”.
Ora, vamos agora nos permitir a uma linha de raciocínio, baseado em tudo o escrito? Caso alguém tenha ouvido e acreditado toda a infância sobre andar descalço e adoecer, vindo de figuras muito representativas para ele como seus familiares, não é estressante se de repente se encontrar sem as suas meias no chão frio? (lembremo-nos que o zelo é uma forma de amor, na cultura italiana).
Será que não ocorre, no subconsciente, uma repreensão subliminar do tipo “Eu lhe avisei...” de olhos um tanto acusadores? Isso não eleva os níveis de cortisol? Tensiona músculos? Constringe capilares arteriais sob a pele? Esses efeitos podem ser tão deletérios para a imunidade quanto um “golpe” de frio?
Fica aqui a reflexão sobre a importância das nossas crenças na capacidade de responder as exposições perigosas do ambiente, seja ele frio ou não, já que nossa percepção é grande parte da nossa realidade.
Alexandre Martin é médico especialista em acupuntura e com formação em medicina tradicional chinesa e fitoterapia (xan.martin@gmail.com)
Comentários
3 Comentários
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Silvia 21/02/2025Não deixei meus filhos ficarem descalços qua do pequenos , justamente porque aqui era frio. Mas fica o ente dimensionamento para os netos. Dr Alexandre, como se quantifica a imunidade.
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Maria Cibele 21/02/2025Bisavó materna italiana+pai pernambucano e ninguém dessas famílias muito preocupado com ar frio e pés no chão. Até hoje adoro andar debaixo de uma chuvinha e mamãe ligava o ventilador no banheiro. Sem excesso de preocupações desse tipo = Boa imunidade, certo?
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José Antônio Bergamo 21/02/2025Excelente matéria!