Leitoras e leitores, a quem sou enormemente grata! Fiquei refletindo sobre como nos permitimos, muitas vezes, ser engolidos pela roda furiosa da Existência por andar distraídos demais com a Vida. Decidi compartilhar este tema na coluna deste mês, quando o calendário gregoriano acaba de se iniciar, constatando que já fomos assombrados por acontecimentos em todas as esferas planetárias. O que inclui, tenho certeza e de alguma maneira, os nossos próprios quintais, sejam eles reais ou fictícios.
Por ocasião da partida, essa semana, da nossa querida escritora ítalo brasileira Marina Colasanti, vi publicado um de seus mais brilhantes ensaios nas variadas mídias. Vamos lá portanto, para alguns trechos que escolhi a partir de toda essa reflexão, e que me tocam particularmente. Marina sugere, adivinhem? Que a gente não se acostume. Obrigada por me lembrar Marina, muito obrigada! "Eu sei, mas não devia" é o título da linda crônica...
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a na?o ter outra vista que na?o as janelas ao redor. E, porque na?o tem vista, logo se acostuma a na?o olhar para fora. E, porque na?o olha para fora, logo se acostuma a na?o abrir de todo as cortinas. E, porque na?o abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, a? medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplida?o.
A gente se acostuma a acordar de manha? sobressaltado porque esta? na hora. A tomar o cafe? correndo porque esta? atrasado. A ler o jornal no o?nibus porque na?o pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque na?o da? para almoc?ar. A sair do trabalho porque ja? e? noite. A cochilar no o?nibus porque esta? cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja nu?meros para os mortos. E, aceitando os nu?meros, aceita na?o acreditar nas negociac?o?es de paz. E, na?o acreditando nas negociac?o?es de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos nu?meros, da longa durac?a?o.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje na?o posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.(...)
(...) A gente se acostuma a? poluic?a?o. A?s salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. A? luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. A?s bactérias da a?gua pota?vel. A? contaminac?a?o da a?gua do mar. A? lenta morte dos rios. Se acostuma a na?o ouvir passarinho, a na?o ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos ca?es, a na?o colher fruta no pe?, a na?o ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para na?o sofrer. Em doses pequenas, tentando na?o perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acola?. (...)
(...)A gente se acostuma para na?o se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
Márcia Pires é Sexóloga e Gestora de RH (piresmarcia@msn.com).
Comentários
1 Comentários
-
VIVALDO JOSE BRETERNITZ 01/02/2025???????