No dia 29 de dezembro do ano passado, foram abertas as portas da misericórdia e demos início à celebração do Ano Santo Jubilar em nossa Diocese de Jundiaí. Ecoamos com alegria o apelo do Santo Padre em nos tornarmos peregrinos da esperança. Somos chamados a correr apressadamente ao encontro daquele nos fortalece em nossa caminhada pastoral, o próprio Cristo. Ele é a “Porta sempre aberta”.
Nesse sentido, gostaria de aprofundar alguns significados presentes no simbolismo da passagem pela Porta Santa para que nosso povo possa, neste ano de Jubileu, mergulhar na dimensão espiritual da esperança e mergulhar na graça de Deus que jorra abundante para nós. Chegou o tempo favorável!
Recordemos que só há uma Porta pela qual devemos passar para nossa salvação: o próprio Cristo! O sentido do Jubileu é aproximarmo-nos do Senhor, e reconhecê-lo como único acesso, único mediador entre nós e o Pai. Fora de Jesus, todo o Jubileu perde seu sentido. Além disso, descubramos que a porta tem dobradiças. Ela abre para dois horizontes: o horizonte de dentro para aqueles que estão longe e precisam voltar para a casa do Pai. E o horizonte de fora, para aqueles que estão dentro e precisam sair da zona de conforto para ir atrás daqueles que se encontram sem esperança.
“Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem” (Jo 10,9). O sentido de reconciliação oferecido pelo ano jubilar demanda de nós uma compreensão profunda do significado desse versículo de São João. Para nós, todo o simbolismo da Porta Santa não pode ficar reduzido ao contexto exterior e estético de sua amplitude. A Porta é uma Pessoa: o próprio Jesus. Buscar o perdão dos pecados e as indulgências que nos são prometidas pela Santa Igreja só tem sentido se essa atitude for acompanhada de um encontro pessoal com o próprio Cristo. Toda teologia do Jubileu emana de uma correta cristologia. Essa é a conversão sincera que Deus espera de nós: descobrirmos na vida de seu Filho Jesus a porta de entrada para nossa salvação. Trata-se de assumir em nossas vidas os mesmos sentimentos e atitudes do Verbo Encarnado.
O Jubileu é o retorno para a casa do Pai. Um Pai diferente, revelado por Jesus como misericordioso, compassivo e pronto para nos acolher de volta. A compreensão desse mistério deve nos fazer mais irmãos uns dos outros, deve nos fazer crescer em atitudes de perdão mútuo, deve nos fazer sentir irmãos do próprio Cristo pelo dom de sua encarnação. Crescer na esperança que o Jubileu nos aponta é crescer no conhecimento daquele que é a fonte de toda esperança. Sem passar por essa Porta, a Porta da conversão a Jesus, dificilmente descobriremos toda a amplitude de graças que Deus quer derramar sobre nós. Não há esperança fora do Cristo. Em meio às turbulências da nossa jornada, recordemo-nos que Ele continua lá! O Papa Francisco nos lembra: “Gosto de pensar na esperança como na âncora que está na margem e nós estamos ali com a corda, seguros, porque a nossa esperança é como a âncora em terra firme (cf. Hb 6,17-20). Não percais a esperança! A esperança nunca desilude, nunca! Às vezes a corda é dura e fere as nossas mãos..., mas com a corda, sempre com a corda na mão, olhando para a margem, a âncora leva-nos em frente. Há sempre algo bom, há sempre algo que nos faz ir em frente!” (Homilia por ocasião da abertura da Porta Santa na prisão romana de Rebibbia, 26/12/1024).
A Porta Santa nos recorda os dois caminhos que ela abre. Ela possui dobradiças. Elas permitem o vislumbre de dois horizontes. O de dentro e o de fora. Trata-se de ser sensível às questões de perspectiva: “entrará e sairá e encontrará pastagem” (Jo 10,9). Entrar e sair, eis o desafio! Para quem se encontra distante, excluído ou abandonado, a Porta Santa abre as possibilidades de um retorno ao coração amoroso do Pai que deve se refletir nas nossas atitudes como cristãos que acolhem. Essa é uma pergunta que sempre me faço como bispo: quando as pessoas que estão longe de Deus e da Igreja buscam retornar, o que elas encontram? Dedos apontados ou braços abertos? A Porta Santa aberta é a figura perfeita de um Deus que nunca recusa um coração arrependido. Um Deus que não fica calculando castigos por nossos inúmeros pecados, mas que se dispõe a lavar nossas culpas com o sangue do seu próprio Filho na cruz. A Porta aberta é sinônimo de corações abertos aos que desejam entrar. Mais acolhida e menos fiscalização! Esse é o apelo que a misericórdia exige de nós.
Todavia, a Porta Santa também abre o horizonte para o mundo que está fora. A entrada também descortina a saída a ser feita. Nossas práticas pastorais, muitas vezes, ficam reduzidas a “trazer para dentro”. Precisamos ousar uma conversão da direção. A Igreja em saída que o Papa nos convida não pode ficar restrita ao aprimoramento dos mesmos métodos de sempre. Não podem ficar presos a atitude de esperar por quem decide voltar. Trata-se de perceber na oportunidade da Porta Santa aberta o caminho para uma missionariedade implícita em nossa vida de discípulos e discípulas de Jesus. A Porta aberta deve nos impulsionar a sair e a dialogar com um mundo que se transforma numa velocidade assustadora e que exige de nós uma conversão metodológica urgente. As portas abertas também descortinam um mundo todo a ser percorrido.
Na noite de abertura da Porta Jubilar em Roma, no Natal do ano passado, Francisco nos exortou: “a esperança que nasce nesta noite não tolera a indolência dos sedentários e a preguiça dos que se acomodaram no seu próprio conforto – e muitos de nós corremos o risco de nos acomodar no próprio conforto –; a esperança não admite a falsa prudência dos que não se arriscam por medo de se comprometerem e o calculismo dos que só pensam em si próprios; a esperança é incompatível com a vida tranquila dos que não levantam a voz contra o mal e contra as injustiças cometidas diretamente sobre os mais pobres” (Homilia de abertura da Porta Santa – Natal do Senhor, 24/12/2024).
Amados irmãos e irmãs da Diocese de Jundiaí, a Porta já está aberta. O ano avança com suas demandas e possibilidades num cenário cada vez mais desafiador. Tenhamos a coragem de atravessá-la com o olhar atento aos dois lados que ela revela. O lado da misericórdia e o lado da missão. Sigamos os passos daquele que um dia impulsionou os discípulos à travessia do mar, na certeza de que estaria junto deles, mesmo nas tempestades.
Que os dois lados da porta nos ensinem a sermos cristãos corajosos e disponíveis.
Viver é travessia perigosa!
Dom Arnaldo Carvalheiro Neto é Bispo Diocesano de Jundiaí.