OPINIÃO

Troféus e medalhas


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Quem não tem um troféu ou uma medalha ganho na infância, me desculpe: não passou por ela. Troféu e medalha que quero dizer são marcas no corpo, provocadas por ferimentos: um tombo, um arranhão mais profundo ou até mesmo a marca da vacina no braço. Esta, acredito,  a maioria das pessoas possui. Mas infância traz sempre marcas que ficam para sempre e são ações inesquecíveis de um tempo que não volta mais, apesar de a gente insistir em ligar a máquina do tempo do cérebro para rever mais uma vez aquela cena. 

Lá em casa, só o Toninho teve um braço quebrado: caiu do pé de goiaba vermelha e, de medo de levar uma bronca, continuou brincando no quintal, apesar da forte dor. Nossa mãe só ficou sabendo quando o chamou para almoçar e ele chegou à mesa com o braço inchado. Foi uma  correria até o pronto socorro! A maioria das marcas da infância está em nossos joelhos: sempre era ele que chegava primeiro ao chão. Já Ademir, além da marca da vacina no braço direito, tem no esquerdo dois pontos que levou quando caiu do quarador quando fazia  bolinha de sabão. A minha medalha, e esta é inesquecível, está no lado esquerdo da barriga: foi um tombo num jogo de futebol, quando eu atuava como goleiro. Por ser o jogador mais novo e não ter espaço para sair driblando os outros, minha posição acabou sendo no gol. E, quando a bola passou entre os dois tijolos que demarcavam o espaço do gol, lá fui eu correndo atrás. Lembro como se fosse hoje: a bola correndo e eu, tentando alcançá-la Primeiro ela passou por uma calçada de terra, mas com muito mato; fiquei feliz,  pois isso reduziu a velocidade da bola. Quando ela atingiu a parte cimentada veio a tragédia: tinha sido feita há poucos dias e ainda estava cheia de areia espalhada. Por ser nova, apresentava um degrau mais alto do que a calçada de terra e foi um tropeção  terrível: caí inteiro no chão. 

Quando me levantei senti dores no corpo: vi o joelho sangrando e pensei em chorar, mas senti a camiseta grudada no corpo. Ademir veio correndo em minha direção. Meus olhos já estavam cheios de lágrimas quando ele começou a levantar  minha camiseta que estava grudada na barriga e cheia de sangue. Para não esticar muito o assunto, diria apenas que o jogo acabou. Ademir teve que me levar para casa e o medo foi maior que a dor: o que meu pai e minha mãe diriam disso? Surra? Bronca? Nada disso!!!

Dois olhares de preocupação e a hora do curativo: água oxigenada e mais lágrimas, mercúrio cromo e mais lágrimas. A cena continua viva na memória e a marca, o troféu, continua no corpo. Mas a maior de todas as marcas surgiu quando passei da infância para a  adolescência e comecei a trabalhar: dois meses de trabalho e levei um tombo inesquecível. Caí de um ônibus em movimento e dei com a boca no chão. Resultado: três dentes quebrados e uma marca no lábio superior que resiste ao tempo. Trabalhava em uma farmácia  e era meu último trabalho daquele dia. Por ser segunda-feira de Carnaval, ganharia o resto do dia livre. Tinha ido à Droga Orlando, no Centro, para comprar remédios e, ao descer o degrau com o pacote na mão, o motorista deu um tranco no veículo, me desequilibrei.

Acabei ficando uma semana em casa, depois de passar por uma cirurgia na boca, para extração dos dentes e de um pedaço de osso que trincou com o impacto da boca contra o solo. Enfim, são recordações que não esquecemos, que ficam na memória e registram marcas  no corpo. Para sempre!!!

Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)

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