OPINIÃO

Crise do Pix: falha na comunicação e educação


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A grande maioria dos brasileiros acompanhou na última semana notícias envolvendo
 o PIX. Seja por meio da internet, dos veículos de comunicação tradicionais ou do bom e velho boca a boca, o método de pagamento e transferência bancária entrou na agenda pública com força e escancarou duas deficiências graves que o governo Lula tem que lidar  com urgência.

O primeiro deles diz respeito à comunicação. Desde que decidiu monitorar as transações
 financeiras feitas pelo PIX a partir de R$ 5 mil, o governo vem batendo cabeça em como explicar para o brasileiro médio que isso significava uma vantagem para ele e não o contrário.

Uma série de fake news começaram a pipocar na internet. Entre elas, a que mais  se espalhou foi que a medida fará com que o PIX seja taxado. Para reforçar a desconfiança das pessoas, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL), nome forte da base bolsonarista no Congresso, lançou um vídeo questionando o governo, lançando dúvidas e criando  um clima de medo e incertezas caso o governo não voltasse atrás.

O vídeo chegou a centenas de milhões de visualizações em poucos dias na internet  e provavelmente chegou até as suas redes, seja por que um amigo compartilhou ou porque apareceu no grupo de WhatsApp que você faz parte. O fato é que o vídeo do Nikolas é, para a comunicação, quase perfeito.

Quase perfeito pois consegue passar a mensagem que ele quer de uma maneira muito  simples, objetiva e didática. Se fizermos uma análise semiótica rápida do vídeo, vamos entender que o deputado usa preto, por exemplo, para criar esse clima de tensão apoiado pela trilha sonora obscura e pela pouca luminosidade do cenário. Além disso, ele  utiliza uma linguagem acessível para transmitir uma mensagem que atinge em cheio o brasileiro médio.

Aliás, usar de uma linguagem simples e direta para o povo sempre foi o maior trunfo  de Lula que, dessa vez, não soube fazer isso. O vídeo do deputado bolsonarista foi tão efetivo e chegou a tanta gente que o governo voltou atrás e revogou a medida. Uma vitória maiúscula da oposição e uma derrota gigantesca para o presidente.

Por que o vídeo do Nikolas não é perfeito, afinal? Porque é cheio de desinformações  e baseado em inverdades. Quer uma, por exemplo? Quando o deputado sugere que o PIX pode ser taxado pelo governo Lula, o que seria uma tragédia para o povo, ele se esquece de mencionar que quem queria taxar as transações feitas por PIX era Paulo Guedes, ex-ministro  da economia de Bolsonaro.

Outro problema grave de informação do vídeo do deputado do PL é indicar que monitorar  as transações de R$ 5 mil era algo ruim para o brasileiro, principalmente para o pequeno e microempreendedor. Com uma pesquisa rápida, você descobre que o monitoramento das transações via PIX sempre ocorreram a partir de R$ 2 mil, ou seja, com a nova medida,  os brasileiros poderiam transacionar mais sem estarem sujeitos à fiscalização da Receita. Um benefício e não o contrário.

E é aqui que entra o segundo problema: a educação. Fica cada vez mais evidente que a incapacidade de fazer uma leitura crítica das informações que nos chegam pelo celular é sistêmica. Não estamos ensinando nossos jovens a interpretar de maneira crítica um texto, vídeo ou postagem. E nem iremos, pelo visto.

Quando o governo prefere proibir o uso do celular em escola ao invés de capacitar  os professores para que eles possam ensinar seus alunos a como usarem a internet como uma ferramenta pedagógica, cada vez mais os smartphones e as redes sociais farão as pessoas de refém. Sem uma alfabetização das redes nós ficaremos à mercê delas e teremos um único papel disponível: massa de manobra.

Junte isso ao grande problema pós-moderno chamado de "pós-verdade". Miguel Nicolelis, um dos maiores neurocientistas do mundo, escreveu em seu livro de ficção "Nada mais será como antes" (2024) que não demorará muito para não termos mais condições de reconhecer o que é verdade e o que não é. Mas o problema nem é só esse. É que a pós-verdade  nos colocou de frente com a conveniência: "Se isso serve para mim, fato ou não, é verdade. Se isso não serve pra mim, fato ou não, é mentira".

E não é nenhuma coincidência o vídeo do deputado bolsonarista chegar a esses números  estratosféricos de visualizações, dias depois de Mark Zuckerberg anunciar sua guinada à direita. Um claro sinal de que o conteúdo contra a esquerda (consequentemente a favor da direita) será muito mais agraciado pelos algoritmos da Meta.

A esquerda não está sabendo comunicar o que importa com uma população que não  sabe (e talvez não quer aprender) o que importa.

E se você leu esse texto até aqui e não entendeu o que importa, você é a prova viva do que eu estou falando.

Conhecimento é conquista!

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)

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