O recente episódio envolvendo a Portaria da Receita Federal, que tratava do monitoramento de transações financeiras via PIX, expôs, mais uma vez, a dificuldade do governo federal em se comunicar com clareza e eficiência. Após uma avalanche de críticas e uma forte desaprovação popular, o governo decidiu revogar a medida, mas o estrago já estava feito. O caso evidencia o quão mal o tema foi conduzido, com uma comunicação que se mostrou antiquada e descompassada da realidade atual, além de desproporcional à simplicidade da norma em questão.
A polêmica começou com a divulgação da portaria que estipulava o monitoramento de movimentações globais acima de R$ 5 mil mensais para pessoas físicas e R$ 15 mil para pessoas jurídicas, sem detalhamento de origem ou destino. A Receita Federal enfatizou que o objetivo era combater operações suspeitas, como lavagem de dinheiro e crimes financeiros, e não vigiar trabalhadores informais ou pequenos empreendedores. Ainda assim, o medo e a confusão tomaram conta da população, alimentados por uma enxurrada de notícias falsas e interpretações equivocadas.
A situação poderia ter sido facilmente evitada com uma campanha informativa antes da publicação da portaria. Bastava ao governo explicar, de forma acessível, o que de fato mudaria (ou não) com a medida. Em vez disso, seguiu-se o velho modelo burocrático, que remonta aos tempos da "Voz do Brasil", onde o governo falava e esperava que a população simplesmente ouvisse e aceitasse. Em um contexto onde as redes sociais são o principal meio de informação, essa abordagem se mostrou completamente ineficaz.
O episódio também revelou um aspecto curioso: boa parte do que a portaria propunha já era prática comum há anos. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), por exemplo, monitora transações financeiras relevantes, seja via PIX, depósitos em dinheiro ou outros meios. A proteção ao sigilo bancário já é garantida, e a Receita Federal há muito tempo recebe informações agregadas sobre movimentações acima de determinados valores. Então, por que tanto pânico?
A resposta está na comunicação – ou na falta dela. Quando medidas como essa são anunciadas sem a devida contextualização, elas geram medo e desinformação. O ser humano, por natureza, teme o desconhecido, e, sem explicações claras, tende a acreditar em teorias alarmistas que circulam com facilidade. O governo falhou em compreender que, em tempos de redes sociais, a informação precisa ser rápida, assertiva e, acima de tudo, transparente.
O resultado foi um pânico desnecessário, semelhante ao famoso "bug do milênio", quando o mundo temia um colapso digital no ano 2000. Assim como naquela época, o medo não era racional, mas fruto de uma comunicação ineficaz. Neste caso, a falta de clareza do governo deu margem para que a oposição e outros grupos explorassem o tema, criando uma tempestade em um copo d'água.
O episódio também traz uma lição importante para o governo: as redes sociais não são extensões da TV ou do rádio. Elas exigem uma abordagem diferente, que dialogue com o cidadão de forma mais próxima e compreensível. Enquanto essa mudança de mentalidade não ocorrer, veremos mais medidas inócuas sendo rejeitadas pela população por pura falta de comunicação adequada.
No final das contas, a revogação da portaria não muda a realidade: as transações financeiras continuam sendo monitoradas como sempre foram, os bancos possuem fé pública e respeitam o sigilo bancário das informações e está na sua essência fiscalizar transações, o que não significa que vão sair com megafone expondo seus correntista. Assim, no caso em tela, o desgaste político e a desinformação causados pelo episódio deixam claro que, no campo da comunicação, o governo ainda tem muito a aprender. Até lá, o cidadão continuará vulnerável a verdades distorcidas e ao medo do desconhecido, enquanto as "simples medidas" continuarão a gerar crises desnecessárias.
Marcelo Silva Souza é advogado e consultor jurídico (marcelosouza40@hotmail.com)