OPINIÃO

A seriedade do comendador Martinelli


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Durante os anos de 1968 e 1969, período em que trabalhei na rádio Santos Dumont de Jundiaí, minha convivência com o comendador Hermenegildo Martinelli foi praticamente diária. Afinal, ele apresentava o programa “Sorrisos de Nossa Senhora”, às 18 horas, diariamente, e era neste horário que eu trabalhava. Meu programa diário era das 17 às 18 horas, depois, fazia a passagem para o programa religioso, assim que encerrava, fazia a passagem para o programa de esportes, das 18h20 às 18h30 e, em seguida, entrava o programa “Hora Nipônica”.

E o comendador chegava sempre cinco minutos antes do horário. Sentava no estúdio com seus livros de meditação e oração e aguardava pacientemente seu horário. Como quase todos os dias havia um sacerdote para uma reflexão, Martinelli acompanhava este momento até o final, mesmo não intervindo mais ao microfone. Sua ação diária, quando havia o sacerdote – e muitas vezes era o bispo Dom Gabriel quem entrava ao vivo, mesmo que por telefone - , se resumia na oração do Angelus. Se sozinho, a reflexão se estendia até o final do horário.

Sempre de terno, gravata borboleta, o comendador, que também era vereador nesta época, esboçava um pequeno sorriso ao chegar, cumprimentando com seu “Boa tarde” e repetia a mesma postura ao se despedir, agora com o já “boa noite”. Por conta de ser vereador, nas noites de quarta-feira, quando havia sessão – e ela era sempre transmitida pela Santos Dumont – o comendador abandonava os livros de meditação e chegava ao plenário com pastas com documentos para saber o que falar e fazer nos momentos de votação ou de troca de informações entre os políticos. E quando chegava ao plenário, fazia questão de acenar para a equipe da rádio presente ao local. E a equipe era o técnico de som e eu.

Foi vereador entre 1948 e 1976, sendo secretário, vice-presidente e me lembro que certa vez – das poucas em que conversávamos no estúdio – comentou que a rádio Difusora de São Paulo fizera uma enquete e ele foi eleito o Vereador do Ano. Seu sorriso foi mais prolongado ao relatar o fato. Digo que conversávamos pouco, primeiro porque, por conta de seus afazeres, o comendador chegava ao estúdio “em cima da hora” e eu não podia estender diálogos por conta do programa que comandava. E ao final do “Sorrisos de Nossa Senhora”, já estava eu novamente no estúdio anunciando o programa de esportes e o comendador já tinha ido embora.

O “sorriso sério” do comendador ficou marcante em minha vida. Quando deixou este mundo em agosto de 1979 eu já não estava nem na rádio, mas lembro da multidão que foi dar seu adeus a um dos vereadores que mais vezes foi reeleito.

Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)

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