OPINIÃO

Um obstáculo ou um degrau?


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- “Bom ponto, mas é muito difícil agir assim com um paciente.”

Essa foi a frase que me inspirou o artigo de hoje, levando-me a uma reflexão que achei ser prioritário compartilhar neste espaço que me é concedido, mesmo sendo essa a semana de Natal e uma das mais características do ano. Que seja esse texto, então, um presente carinhoso a todos vocês que me acompanham. Saibam que vocês são os meus presentes.

Para os que não estão entendendo, eu tenho o prazer de explicar. Todo artigo escrito por mim é revisado pela minha fiel “escudeira”, a Andrea, ou por algum amigo(a) de muita confiança.

Foi o caso deste, de tema ressonante ao de outras mídias publicadas na semana, em que criei uma anedota: Caso o Papai Noel viesse ao meu consultório, como deveria orientá-lo tendo em vista minha condição de médico contemporâneo, mas também minhas outras formações, como a osteopática?

Comentei que dificilmente proíbo algum paciente de fazer algo, de seguir com algum hábito que tenha. Acredito que o posto a mim confiado por Hipócrates, Galeno e outros colegas que diretamente me ensinaram, presentes no recitar do meu juramento há mais de 20 anos, me qualifiquem a muitas tarefas únicas, mas decidir sobre a vida alheia certamente não é uma delas.

Contudo, como posso manter a boa medicina se não censurar o São Nicolau pela sua obesidade visceral? Ou pelas botas pouco anatômicas que cegam seus pés do solo? Longas horas sentado sem dar-se o descanso de se levantar ou ficar de cócoras?

- “Duvido que você não mande um tabagista parar de fumar!” – disse categórica minha provocativa revisora. Muito obrigado pela oportunidade! Faço questão de mudar o artigo e apresentar minha conduta a todo hábito insalubre.

O tempo é (também) um grande mestre de medicina e me ensinou que, ao sair da minha miopia e ampliar minha visão e entendimento do mundo, mesmo os fatos mais perigosos e desagradáveis tem um viés positivo. Claro que, ao mesmo tempo, nada é completa e incondicionalmente bom. Água é a fonte da vida, mas a hiper-hidratação é mortal, quem já excursionou na UTI bem o sabe.

Como bênção e maldição são duas caras da mesma moeda, problemas nos pacientes seguem a mesma lei: podem ser obstáculos ou degraus para uma escada mais alta.

O paciente é obeso? Eu não o “mando” emagrecer ou, o que é mais inútil ainda, “parar de comer”; eu o questiono, sim, onde pretende chegar com a vida dele. Normalmente a resposta segue a via onde a vida é mais próspera, como, “quero me aposentar e viajar” ou “quero ‘curtir’ meus netos”.

Neste ponto o lembro, então, que existem boas evidências de que não irá chegar na aposentadoria com joelhos que permitam viajar, caso não emagreça. Ou que netos gostam de jogar bola com avôs, o que será impossível se uma diabetes descompensada lhe impeça de sentir os pés.

Não sou cruel, não sou autoritário. Sou real. Reforço o que o corpo dele já demanda: atenção de alguma forma. Falo hoje aquilo que, em alguns anos, ele sinceramente gostaria de que alguém tivesse lhe falado.

O corpo não se sabota. Ele pede, mas não implora. Não se reduz e nem recua. Ele mostra o imprescindível para a felicidade, de agora e para o “depois”. Eu sou só um intérprete e um amplificador do pedido, nada além.

Dito isso desejo a todos um lindo ano novo e  ... alguns degraus, por que não?

Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)

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