OPINIÃO

Frutificar


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Aproxima-se o Natal. Para quem já viveu décadas, como é o meu caso, esse período também carrega lembranças que me acariciam. Deveria ter quatro ou cinco anos. Um pouco antes de 25 de dezembro, vínhamos de São Paulo, onde residíamos, a Jundiaí. Trazia comigo um balde com pazinhas coloridas. Próximos ao local do embarque, via Cometa, derrubei meu brinquedo e abaixei para pegá-lo. Meus pais e meu irmão não perceberam e, por minutos, caminharam sem mim. Meu pai voltou de imediato, assustado, e me encontrou chorando, recolhendo o que derrubara, com um homem estranho, encostado na parede me observando.  Chorava, não sei se pelo brinquedo caído ou por experimentar o ficar só. Várias vezes me repetiram esse fato e diziam que, por certo, seria levada pelo indivíduo. Ficou-lhes a memória do medo em me perder e a mim a de ser amada.

Advento. Período de preparação para o Natal de Jesus, embora muitos se deixem envolver pela iluminação externa, que acrescenta euforia de momentos, mas não acrescenta luz à alma. Natal é muito além, é a experiência do Amor maior que vem ao mundo para peregrinar de mãos dadas com a humanidade. Pequenina, ainda, desconhecia que Deus caminhava e caminharia comigo de mãos dadas.

Como escreveu nosso bispo diocesano, Dom Arnaldo Carvalheiro Neto, no final de seu artigo: “Ele será chamado Deus Conosco”: “Sejamos persistentes como os magos que não se deixaram seduzir pelo brilho envaidecido dos olhos de Herodes. Busquemos a luz que jamais será solitária. A luz que fez uma estrela curvar-se sobre uma criança. A luz que os membros do presépio descobriram nos olhos uns dos outros, descobrindo definitivamente que, a partir dali, suas vidas jamais seriam apagadas”.

Semana passada fui me confessar com o padre Márcio Felipe que, além de meu confessor, é meu diretor espiritual. Em meio a outros pecados, comentei sobre a falta de caridade em inúmeras situações. Fez-me recordar a Carta de São Paulo (I Coríntios), em especial o versículo 13: “Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade – as três. Porém, a maior delas é a caridade”. Acrescentou, nas reflexões, a música Se calarem a voz dos profetas: “Se calarem a voz dos profetas/ As pedras falarão/ Se fecharem os poucos caminhos/ Mil trilhas nascerão. /

Muito tempo não dura a verdade/ Nestas margens estreitas demais/  
Deus criou o infinito pra vida ser sempre mais...” Resultado da caridade.  
Por fim me disse que “morremos para frutificar”.

Forte demais.  Não diz respeito apenas à morte física, mas a quando morro para meu eu, com o propósito de não me perder da caridade. E, às vezes, a fim de não excluir a caridade, devo incomodar os que fecham os caminhos para o respeito à dignidade humana.  Isso também é experiência de Natal.

O Venerável Jean-Thierry do Menino Jesus (1982-2006), nascido no noroeste dos Camarões, escreveu: “Tu estás sempre comigo, / (...) quando o leproso me faz chorar, / quando o doente me consterna, / quando me compadeço da prostituta, / quando a morte de um ente querido me magoa. / Ontem, Senhor, / procurava-Te nos homens do meu sangue, / naqueles que me amavam. / Hoje, Senhor, / és Tu que eu encontro, / nos estranhos, / nos estrangeiros, / naqueles que me odeiam”.

Vivência de Natal. Faz-me, assim, Senhor!

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)

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