OPINIÃO

Lições de privacidade no caso do voo


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Nos últimos dias, um vídeo gravado durante um voo que partia do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, com destino a Confins, em Belo Horizonte, dominou as redes sociais e gerou intensas discussões. O episódio, que envolveu a passageira Jeniffer Castro, uma criança e sua mãe, Aline Rizzo, trouxe à tona debates sobre privacidade e as prioridades da sociedade moderna. Tudo começou quando Aline, que viajava com seus três filhos e outros familiares, acomodava o filho cadeirante no avião. Enquanto isso, seu filho mais novo, de 4 anos, se sentou ao lado da avó em um assento na janela que havia sido comprado por Jeniffer. Quando Jeniffer exigiu o lugar que lhe pertencia, a situação foi gravada por uma terceira passageira, Eluciana, que admitiu ter perdido o controle e divulgado as imagens sem pensar nas consequências.

O caso traz importantes implicações jurídicas, especialmente no que diz respeito à proteção da privacidade. Tanto Jeniffer quanto Aline foram expostas de forma desnecessária, o que pode configurar uma violação de direitos garantidos pela Constituição Federal e pelo Código Civil. O artigo 5º, inciso X, da Constituição, assegura a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, e o artigo 21 do Código Civil reforça que a exposição indevida pode resultar em responsabilização civil, incluindo indenização por danos morais. Além disso, a divulgação do vídeo sem consentimento também pode ser analisada sob a ótica da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que regula o tratamento de informações pessoais. Nesse contexto, a autora do vídeo, Eluciana pode ser responsabilizada judicialmente pelos transtornos causados às partes envolvidas e inclusive poderia ser acionada pela própria companhia aérea, visto que esta também, de certo modo, sobre prejuízo a boa reputação da empresa, evidenciando os riscos do julgamento público promovido pelas redes sociais.

Mais do que as questões jurídicas, o episódio nos deixa uma valiosa lição sobre a importância de respeitar a privacidade alheia e de repensar nossas prioridades como sociedade. É preocupante que situações como essa ganhem tanta repercussão, enquanto questões de grande impacto coletivo, como a situação econômica do país, a violência policial e a necessidade de regulamentação do uso de câmeras por agentes de segurança sejam colocadas em segundo plano. Essa busca incessante por narrativas desconectadas da realidade demonstra como muitas vezes nos refugiamos em polêmicas para escapar dos desafios reais do dia a dia. Preferimos acompanhar histórias envolvendo desconhecidos, como aquelas que transformam influenciadores em celebridades, a discutir temas fundamentais para o desenvolvimento social.

O caso do voo, embora aparentemente trivial, reflete uma sociedade que precisa resgatar o diálogo e o respeito aos direitos individuais. A viralização desse tipo de história reforça a urgência de repensarmos o uso das redes sociais e a forma como escolhemos nossos debates diários. Afinal, a solução para os problemas do país não está nas polêmicas de um vídeo, mas na nossa capacidade de olhar para as questões que realmente importam e agir de maneira comprometida para resolvê-las.

Marcelo Silva Souza é advogado e consultor jurídico (marcelosouza40@hotmail.com)

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