OPINIÃO

Montando o presépio


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Quando o calendário marcava novembro, mais precisamente dia 10, se não fosse domingo, martelo, pregos e serrote começavam a trabalhar na casa vizinha. Seu Antonio chegava do serviço, no final da tarde, e já começava a movimentar os apetrechos para montar o presépio bem antes do Natal. A previsão era deixar tudo pronto no dia 1º de dezembro...

Mesmo brincando em casa com meus irmãos ou me preparando para os exames de final de ano, me concentrava no trabalho de seu Antonio: madeira serrada, madeira se juntando, prego separado, martelo trabalhando... trabalhando... encaixe pronto, madeira serrada, madeira se juntando, prego separado, martelo trabalhando, trabalhando... e lá ia o dia de seu Antonio. Era comum ouvir o barulho também à noite. E, quando eu não ouvia o martelo ou o serrote, tentava imaginar o que ele estaria fazendo.

Mas no sábado eu conseguia matar a curiosidade: Fernando, filho mais novo de seu Antonio, passava em casa, me chamava e lá íamos colher sapé que seria usado para a cobertura, principalmente, da casinha onde ficaria a imagem do menino-Jesus.

Seu Antonio ia na frente, caminhando em busca do material necessário. Eu e Fernandinho - era assim que todo mundo o chamava - quase corríamos para não perder seu Antonio de vista.

Descíamos até a rua da Várzea, entrávamos na rua José Maria Marin até a linha férrea e lá, nos terrenos baldios, seu Antonio escolhia o sapé necessário.

Material cortado, amarrado e lá íamos, eu e Fernandinho, em direção a um pequeno córrego perto da Vulcabrás. Ali, encontrávamos guarus e, com pequenos sacos plásticos, recolhíamos meia dúzia de peixes cada um e íamos brincar no tanque onde dona Irene, a mulher de seu Antonio, lavava roupas. Nos distraíamos com os peixinhos até que me lembrava do presépio. Pronto!

Fernandinho ficava sozinho brincando, enquanto eu espionava seu Antonio. O sapé secava no quintal e ele começava a espalhar serragem, a instalar a fiação para as lâmpadas, o monjolo e um enorme moinho. Gostava, na verdade, do tamanho das imagens: elas tinham em torno de 40 cm de altura cada uma. Em casa, elas não passavam de 15cm.

Me distraía vendo seu Antonio colocando e testando lâmpadas. Moinho no lugar, monjolo em outro e lá ia ele testar a água que passava pelo córrego que, pacientemente montara.

O trabalho de montagem era longo. Mas antes dos últimos testes e das colocações das imagens, seu Antonio fechava as portas e o presépio só abria para visitação no dia de Natal. Até placa no portão ele colocava, convidando as pessoas para verem seu presépio. E aquilo me tomava tempo para ver: luzes piscando ao redor da armação, dentro da casinha onde estava o menino-Jesus e coberta com o sapé que ajudei a encontrar, moinho rodando, monjolo batendo, água escorrendo, moinho rodando, luzes piscando, monjolo batendo, água escorrendo, luzes piscando... Olhos perdidos em busca de um melhor visual...

As imagens brilhando, limpas, claras, coloridas... aquilo era obra de arte. Olhava para seu Antonio feliz por ser vizinho de uma pessoa importante...

Em casa eu olhava meu presépio preparado por minha mãe, meus irmãos e até por meu pai. Apesar de as imagens serem pequenas, tínhamos muito carinho com elas: não havia luzes piscando, não havia água, mas a lamparina acesa mostrava a devoção que tínhamos por aquilo tudo. E no dia de Natal, logo cedinho, a gente corria para levantar o pano que escondia a mesa do presépio para procurar o presente. Mas dona Angelina, na hora do almoço, fazia todo mundo cantar o "Noite Feliz!", anos mais tarde com Ademir, acompanhando com o violão.

Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)

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