Nos últimos dias, tenho recebido das mais diversas formas o termo "jejum de dopamina", que ganhou popularidade nas redes sociais, prometendo uma espécie de "reset" mental para aqueles que se sentem sobrecarregados por estímulos constantes. Resolve começar a ler sobre o assunto e divido aqui com vocês, pois o que realmente sabemos sobre a dopamina, esse neurotransmissor vital que nosso cérebro produz naturalmente?
Primeiro devemos considerar que a dopamina não é um inimigo a ser eliminado. Pelo contrário, é um mensageiro essencial na comunicação entre os neurônios, desempenhando papeis cruciais em funções como motivação, prazer, aprendizado e até mesmo em processos corporais como digestão e resposta ao estresse. Quando nos envolvemos em atividades prazerosas, a liberação de dopamina nos proporciona uma sensação de satisfação, incentivando-nos a repetir esses comportamentos.
No entanto, o uso excessivo de tecnologias digitais, redes sociais e alimentos ultraprocessados pode desregular o sistema de recompensa do cérebro, levando a uma busca incessante por mais estímulos para alcançar o mesmo nível de prazer. Isso pode resultar em comportamentos compulsivos e dependência, um fenômeno que se tornou alarmante nesta nossa era digital.
A ideia de que podemos nos livrar da dopamina, fazendo um jejum, é um mito. A dopamina é essencial para o nosso bem-estar físico e mental. Baixos níveis desse neurotransmissor estão associados a condições como depressão, Parkinson e transtornos de déficit de atenção. Assim, a prática de evitar estímulos que liberam dopamina, como redes sociais e videogames, é, na verdade, um "jejum de estímulos dopaminérgicos", não da dopamina em si.
O vício digital, um dos maiores desafios que estamos enfrentando, principalmente com os adolescentes e adultos, exemplifica como a dopamina atua em nossas vidas. Ao interagirmos com dispositivos e plataformas digitais, a dopamina é liberada, criando um ciclo de prazer instantâneo que nos leva a buscar essas experiências repetidamente. Porém o resultado é um aumento no tempo gasto em atividades que, embora prazerosas, podem prejudicar nossa qualidade de vida. Quem nunca perdeu seu precioso tempo em redes sociais ou assuntos desnecessários e depois se arrependeu, que atire a primeira pedra.
Além disso, a dopamina não é o único neurotransmissor que nos faz sentir bem quando nos envolvemos em atividades prazerosas. Endorfina, serotonina, oxitocina e norepinefrina são apenas alguns dos “hormônios da felicidade” envolvidos. Mesmo se fosse possível desintoxicar a dopamina — o que, novamente, não é, não conseguiríamos obter o efeito desejado.
Embora o "jejum de dopamina" possa trazer uma pausa temporária e uma maior autoconsciência sobre nossos hábitos, não é uma solução mágica para problemas de vício. Em vez disso, a chave para um equilíbrio saudável reside em abordagens sustentáveis. Aqui estão algumas sugestões:
1. Estabeleça limites para o uso de redes sociais e dispositivos, permitindo-se momentos de desconexão.
2. Invista seu precioso tempo em hobbies criativos, exercícios físicos e meditação, que promovem uma liberação equilibrada de dopamina e proporcionam satisfação a longo prazo.
3. Foque em metas que exigem esforço pode liberar dopamina de forma mais sustentável e gratificante.
4. Sono adequado e a prática regular de atividades físicas são fundamentais para a regulação dopaminérgica, aumentando a produção não apenas de dopamina, mas também de outros neurotransmissores que elevam o humor.
5. Práticas de atenção plena ajudam a observar os impulsos sem agir automaticamente, reduzindo a necessidade de gratificação imediata.
6. Dietas ricas em proteínas, ácidos graxos ômega-3 e antioxidantes são essenciais para a produção equilibrada de neurotransmissores.
Embora o "jejum de dopamina" possa ser um exercício interessante de autoconsciência, a verdadeira transformação requer mudanças conscientes e sustentáveis em nosso estilo de vida. Ao invés de buscar soluções temporárias, devemos trabalhar para regular a exposição a estímulos e cultivar hábitos que promovam o bem-estar a longo prazo. Assim, a reeducação dopaminérgica, que prioriza atividades que realmente trazem satisfação duradoura, pode ser o caminho mais eficaz para viver de forma equilibrada e saudável. Muita saúde a todos.
Liciana Rossi é educadora física (licianarossi@terra.com.br).