OPINIÃO

Via Mobilidade e o mito da privatização


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Ao longo de anos, fomos bombardeados com o mantra de que a iniciativa privada administra melhor do que o poder público. Não há como negar que há casos bem-sucedidos, mas os últimos anos mostram que esta não é uma verdade absoluta.

Vejamos o exemplo dos trens em São Paulo. Alguém tem coragem de afirmar que a Via Mobilidade, uma empresa privada que administra as linhas 8 Diamante e 9 Esmeralda, presta um serviço melhor do que a CPTM, tutelada pelo Estado?

Para os céticos, os números estão aí para provar que, nesse caso, a administração pública deixou saudades. A concessão teve início em janeiro de 2022. E já no seu primeiro ano foram registradas 166 falhas – média de uma a cada três dias. 

A título de comparação, em 2019, sob gestão da CPTM, foram 121 falhas. Nos dois anos seguintes, foram 34 falhas, um número ainda menor, mas com as restrições da Covid-19, que marcaram 2020 e 2021 e impactaram o transporte público.

Traçados os paralelos, fica claro que o serviço prestado nas linhas 8 e 9 piorou nas mãos da Via Mobilidade. 

Pressionada pela Promotoria do Patrimônio Público, Social e do Consumidor do Ministério Público de São Paulo, a Via Mobilidade aceitou pagar R$ 786 milhões em 2023 para não ser processada em decorrência das sucessivas falhas. 

O gesto poderia significar uma guinada no contrato e o fim das críticas. Infelizmente, para os passageiros das linhas 8 e 9 pouca coisa mudou. As falhas ainda são parte do cotidiano e os riscos têm se tornado cada vez mais reais. 

Na noite da última segunda-feira, dia 14, por volta das 20h30, um trem da Linha 9 pegou fogo quando passava pela Estação Granja Julieta. O problema teria ocorrido no pantógrafo, dispositivo que conecta os trens à rede elétrica aérea. Quem estava do lado de fora, pode ver as labaredas no teto da composição. 

Do lado de dentro, vídeos registraram o pânico dos passageiros. Em uma das gravações que circularam nas redes sociais é possível ver as pessoas se afastarem da estrutura metálica da composição para evitar uma eventual descarga elétrica. Logo depois, explosões desencadeiam uma correria generalizada. 

Não podemos normalizar um episódio como esse. É importante dar um passo atrás e analisar a situação de forma racional. Até quando um contrato de privatização deve ser mantido? Qual é o limite para este tipo de acordo? 

Na minha visão, o critério deveria ser apenas um: o bom serviço prestado à população a um preço justo. E diante do histórico construído na Via Mobilidade, atingir essa meta soa utópico.

A Enel nos mostra o quão complexo pode ser o rompimento de um contrato de privatização. Após dois apagões em menos de um ano, a companhia conseguiu reunir a antipatia do poder público e da população. 

E, segundo os jornais têm noticiado, a empresa não paga as suas multas, nem cumpre os seus compromissos. Ainda assim, a Enel tem sido capaz de manter o seu contrato em São Paulo.  

A sanha privatista do governador Tarcísio de Freitas pode fazer com que a experiência negativa com a Via Mobilidade e a Enel se reproduza em outras empresas estatais que estão sendo entregues por ele às pressas à iniciativa privada. 

A privatização da Sabesp é um exemplo recente desta política nociva e outras devem vir por aí. Enquanto o lucro dos acionistas for um critério nas privatizações, elas estarão fadadas ao fracasso. E essa fatura quem vai pagar será a população, que terá um péssimo serviço prestado.

Mário Maurici de Lima Morais é jornalista, foi vereador e prefeito de Franco da Rocha, vice-presidente da EBC e presidente da Ceagesp.  Atualmente é deputado estadual em São Paulo. 

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