O dia 15 de outubro sempre foi muito especial pra mim. Quando era muito criança, sempre via minha mãe comemorando o dia de sua profissão. Enquanto aluno, adorava presentear meus professores com mimos dos mais simples, como uma cartinha, aos mais complexos, como presentes elaborados. Por fim, como professor, é uma data que sempre me faz refletir sobre meu dever como docente. Uma reflexão que já faço há 12 anos.
No começo da minha carreira, eu confesso que as minhas reflexões sobre meu trabalho giravam em torno da satisfação que eu gerava nos meus alunos. Eu queria ser o professor mais legal do mundo para cair nas graças dos estudantes. A comprovação disso vinha no próprio dia 15 quando eu era agraciado com os mesmos mimos que eu dava aos meus professores enquanto aluno. Teve um dia que, no auge da minha autoconfiança, disse que uma maçã não bastaria e chegou na minha mesa toda cultura de frutas que você pode imaginar. Até uma melancia eu ganhei.
Mas os presentes não eram mais suficientes. Eu ansiava pelas homenagens, o aplauso constante e o reconhecimento perpétuo. Caí do cavalo. Na ânsia de buscar esses capitais simbólicos, eu trupiquei no próprio ego e vi minhas aulas irem para o chão junto comigo. Eu era um bom professor, mas não bom o bastante para, por exemplo, ser escolhido paraninfo de formatura. Sempre esquecido, tive que rever o que me motivava dar aulas. Tive que rever quais troféus valiam a pena conquistar.
Somado a isso, o curso de Jornalismo da minha faculdade não atraía novos alunos. Nossa profissão está em crise há anos e obviamente que isso iria refletir na demanda por novos jornalistas. O desânimo vinha de todos os lados e já não sabia quem desanimava quem: se era eu ou os alunos. O resultado foram aulas cada vez mais custosas de lecionar. A coisa só piorou quando veio a pandemia e não melhorou nem um pouco com o fim dela.
Eu pensei em parar. Mudar de profissão. Fazer outra coisa. Já estava pagando um intercâmbio para a Alemanha. Ficaria lá por seis meses, pensando em estender minha estada. Meus dias de professores estavam contados. Mas aí, veio uma ligação. Um coordenador de um colégio - irmão de um ex-aluno - me convidou para assumir as aulas de filosofia e sociologia para o ensino médio. Aceitei na hora. O projeto Alemanha virou pó, pois eu senti que a Educação estava me dando uma nova chance. Parecia que o cosmos estava insistindo na minha virtude de ser professor.
Ir para a escola me deu um novo fôlego. Ser professor fazia sentido outra vez. Eu me sentia útil e o amor e carinho que recebi daqueles jovens me fizeram enxergar meu papel como professor de uma maneira diferente. O meu troféu passou a ser meus alunos. Vê-los vencendo se tornou minha obsessão.
Isso fez com que minha relação com o ensino superior também melhorasse. Muitos dos meus ex-alunos e ex-alunas venceram na vida. Tenho um que virou jornalista do Greenpeace, uma das maiores organizações ambientais do mundo. Tenho outra que recentemente foi contratada para ser repórter do SBT. Outra que trabalha na assessoria de imprensa do Corinthians. Outros quatro que se tornaram professores universitários como eu. Um deles até disse publicamente para seus alunos: "Se eu estou aqui, foi por causa dele [disse apontando para mim]. Depois da primeira aula que tive com ele, eu decidi que eu queria ser professor também". E os exemplos de sucesso poderiam gastar todo o espaço dessa coluna.
"Nós somos o que eles se tornam. Esse é o fardo dos mestres". Essa frase eu vi em Star Wars VIII, proferida pelo Mestre Yoda ao também mestre Luke Skywalker. Mas o Jedi mais velho não estava falando dos pupilos que vencem. Na verdade, ele se referia aos pupilos que fracassam e da responsabilidade dos mestres sobre esse revés.
Minha reflexão desse 15 de outubro é sobre todas as vezes que saí de sala de aula com o gosto amargo da aula que não rendeu. Da didática que falhou. Dos alunos que não vieram comigo no conteúdo. Essas ocasiões ainda são muito presentes na minha profissão e a pergunta que me faço é: "de quem é a responsabilidade?". Há quem diga que é do aluno que deveria se interessar pela matéria e se esforçar. Há quem diga que é do professor que deveria fazer a matéria ser interessante o suficiente.
Não serão todos que irão vencer na vida. Eu tenho plena consciência disso. Mas eles também são minha responsabilidade? Algo totalmente antikantiano da minha parte pensar assim. Quero dizer: minha intenção é boa, não tenho culpa se o aluno não soube aproveitar isso. Será que não tenho?
Se vangloriar como o professor Horácio Slughorn faz é fácil. Levantar seus alunos bem-sucedidos como troféus brilhantes e polidos não é nenhum esforço. Mas e aqueles que não venceram, ficam onde? Recentemente eu quero olhar para debaixo do tapete e tirá-los de lá. Não para salvá-los - para alguns já não é mais possível, não há mais tempo -, mas para assumi-los como parte da minha formação como professor. Serão esses alunos que me ajudarão a ser melhor.
Feliz dia dos professores. Conhecimento é conquista!
Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)