OPINIÃO

Vazio... até um dia!


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Sabe aquelas pessoas que passam por nossa vida, por um período curto de tempo, mas que marcam para sempre? Dona Benedita é um exemplo disso para mim. A conheci em 1958, exatamente no primeiro ano primário do Grupo Escolar Paulo Mendes Silva, onde iniciei meus estudos. Naquele tempo não havia Jardim, Pré-Primário ou qualquer coisa parecida: matriculados na escola, entrávamos no primeiro ano. E dona Benedita foi minha primeira professora. E tudo que é primeiro na nossa vida, a gente jamais esquece. Principalmente pessoas que nos mostram coisas boas, que nos trazem ensinamentos de qualquer ordem que seja. Sempre a vi com respeito e medo. Respeito por ser mais velha que eu e, acima de tudo, por me ensinar a ler e escrever. Medo porque sempre fui tímido e o contato com pessoas diferentes da minha família, me deixavam morrendo de medo. Cheguei a receber um elogio dela no primeiro ano, quando escreveu no meu caderno de caligrafia: “parabéns! Letra muito bonita”. Guardei isso para minha vida. Apesar de o caderno ter se desgastado com o tempo, confesso que vejo as letras desta mulher em minha memória até hoje. Mas a vida nos prepara peças que não imaginamos que vão acontecer. E meu contato com ela terminou no final daquele ano. Fui aprovado e virei aluno de dona Odete e dona Benedita desapareceu do quadro negro colocado na sala de aula onde eu estudava. Terminei o primário, fiz o ginásio, o colegial, me formei na faculdade, me casei, mudei para Campinas e Jundiaí desapareceu de minha vida por um bom tempo. Voltei a Jundiaí há pouco mais de dez anos e, um dia, no meu trabalho, alguém me interroga se fui aluno de dona Benedita. Quando afirmei que sim, sua filha, que me interrogava, me disse: “ela te viu na tevê ontem e, quando apareceu seu nome, me afirmou categoricamente; ‘este foi meu aluno’”. Penha riu e me disse que não acreditou muito no que ela dizia e, quando confirmei, a própria filha se assustou com a boa memória da mãe. Me encontrei com dona Benedita em 1998 quando lancei um livro no Museu e a convidei, simplesmente porque queria que ali estivesse a mulher que me ensinou a escrever... E ela me enumerou meia dúzia de alunos, que estudavam na mesma classe que eu. Me surpreendi pela memória extraordinária desta mulher, mas me lembrei de sua filha, que tivera a mesma reação que eu tempos atrás. No meu último aniversário, quando atendi uma ligação, uma voz me disse rapidamente: “parabéns, grande escritor”. Tive que perguntar: “quem é?” e, do outro lado, depois de um breve sorriso, ela respondeu: “sua primeira namorada, não lembra não?” Não tive dúvidas: “dona Benedita?”. Mais histórias dos tempos de escola, mas troca de elogios de um para com o outro e um até breve. Mas este breve não teve tempo de acontecer. Um dia, folheando o jornal, me surpreendi com um comunicado de missa de sétimo dia. Era dela! Ela tinha partido e nem me deixou recado. Senti os olhos marejarem, pois as letras do jornal se embaralharam, percebi duas lágrimas tentando fugir de meus olhos, mas eu tentando segurar. O jornal foi abandonado num canto da sala e saí pela rua em busca de não sei o que. Me perdi no tempo, no espaço, e percebi um vazio dentro de mim. Nós temos tão pouco tempo neste mundo e, na maioria das vezes, deixamos de lado pessoas que nos prezam tanto e só sentimos saudade quando elas se vão, como penas levadas pelo vento para um lugar onde não temos acesso, mas que, com certeza, chegaremos um dia. Mas não temos como suprir esta saudade, não temos como preencher este vazio que vai ficar para sempre em nós.

Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)

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