OPINIÃO

Somos extravagantes


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Há poucos dias citei a música do argentino Léon Gieco, “Eu só peço a Deus” e dentre os versos: “Eu só peço a Deus/ Que a injustiça não me seja indiferente...” Sinto-me, portanto, na obrigação de escrever sobre um fato da semana passada, em que disseram – e o verbo é com sujeito indeterminado (quem não se identifica dispensa respeito) - que fieis e clérigos estariam cansados das “extravagâncias” de nosso querido bispo diocesano, Dom Arnaldo Carvalheiro Neto.
 
Dentre as referências está a de sua presença, por duas vezes, em um estabelecimento (já estive lá também) onde há roda de samba, às quintas-feiras, e, em uma das ocasiões, acompanhado por alguns seminaristas. Ué! Qual o problema de nosso bispo gostar da arte e da cultura popular e se fazer presença fraterna em um ambiente modesto, respeitoso, sem escândalos, de portas escancaradas para a rua? Ninguém fica escondido naquele espaço. Qual o problema dos seminaristas estarem juntos? Dom Gabriel Paulino Bueno Couto, nosso primeiro bispo diocesano, com quem Deus me ofereceu a graça do convívio, contava, nos encontros com os jovens, sobre o príncipe que desejava sair do palácio para participar de festas populares. Pediu, temeroso, ao pai e ouviu como resposta: “Pode ir, mas não se esqueça de que você é filho do rei”.
 
Recordo-me de quando, por iniciativa de Dom Gil Antonio Moreira, fomos com as mulheres da Pastoral/ Magdala ao Carmelo, para encontro com as monjas. Ouvi de uma pessoa: “Era só o que faltava, levar para um ambiente santo mulheres profanas”. Prosseguimos indo lá todos os anos e o carinho com elas é imenso!
 
Qual o problema de nosso bispo, com tantas dificuldades em uma Diocese, se distrair um pouco ouvindo samba com cantores que fazem parte de prática de lazer saudável de nossa cidade? E ainda, como escreveu o Padre Márcio Felipe de Souza Alves em seu Instagram, em defesa de Dom Arnaldo: “A nossa comunhão com aquele que é sinal visível da comunhão com o Papa Francisco” e citou palavras de Santo Inácio de Antioquia: “Onde está o bispo, aí está a comunidade, assim como onde está Cristo Jesus aí está a Igreja”. Foi ele para um convívio fraterno, mas como bispo leva a vida de Deus, às vezes para tantos que, por motivos diversos, como pela falta de acolhimento e preconceitos, desconheciam que a Igreja de Jesus é da misericórdia e da alegria. Ouve, coloca-se em comunhão, ilumina e canta.
 
Embora já vira fotos de Dom Arnaldo, no estabelecimento, ao receber o manifesto contrário dos duvidosos indeterminados, recordei-me da música “Rabi” do Padre Zezinho: “...Mas tem qualquer coisa de novo! Caminha no meio do povo”.
 
Os que seguem realmente a Jesus são extravagantes, pois estão junto ao povo e não se escandalizam com gente que vive diferente. Aproximam-se para o encontro com semelhanças e se tornam luz nos contrastes, sal no que é insípido.
 
O psicanalista Rubem Alves (1933-2014) escreveu: “Sem tempo para lidar com mediocridade. Não quero estar em lugares onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. (...) Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: ‘as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa”.
 
Minha solidariedade, Dom Arnaldo.

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)

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