OPINIÃO

Venezuela: uma tragédia latino-americana


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Os surtos de desenvolvimento dos países latino-americanos têm sido comparados ao voo da galinha: sempre curto e baixo. Uma das razões desse triste desempenho tem raízes em nosso passado: historicamente, uma herança do período colonial, a economia da maioria dos países latino-americanos tem sido dependente da exportação de matérias-primas (commodities) e produtos agrícolas. Isso, além de nos tornar vulneráveis às flutuações nos preços internacionais, impede a diversificação econômica necessária para um desenvolvimento sustentável.

Ou seja: a independência dos países latino-americanos, no início do século 19, não foi acompanhada por uma mudança significativa nas estruturas econômicas e sociais, o que perpetuou desigualdades e limitou o desenvolvimento.

Todavia, essa é apenas uma das razões que perpetuam a precariedade do nosso desenvolvimento: existe outro entrave  que compartilhamos e marcam a história do nosso continente, especialmente no século 20: as ditaduras. Basta ver a extensa relação de países latino-americanos que foram submetidos a regimes ditatoriais no século passado: Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai, Peru, Bolívia, Equador, Honduras, Cuba, Nicarágua, República Dominicana, Haiti e Guatemala.

Ditaduras muitas vezes implementaram políticas econômicas de curto prazo, favorecendo certos setores da economia às custas de outros. A falta de investimento em educação, saúde e infraestrutura durante esses períodos atrasou o desenvolvimento social e econômico do continente.

Esses regimes foram marcados por violenta repressão, censura, execuções em massa, tortura, muitas vezes com o apoio ou influência dos Estados Unidos, especialmente durante a Guerra Fria. A boa notícia é que a partir das décadas de 1980 e 1990 esses países tornaram-se democracias, embora vez ou outra, como aconteceu em nosso país em 8 de janeiro do ano passado e mais recentemente na Bolívia, tenha havido tentativas canhestras de golpes.

Além disso, a concentração de renda e de terra nas mãos de uma pequena elite tem dificultado a distribuição justa de recursos e oportunidades, prejudicando o desenvolvimento econômico e social. Essa frequência de golpes somada à concentração de rendas nas mãos de poucos tornou a América Latina é uma das regiões mais desiguais do mundo.

Assistimos agora a um momento raro em nosso continente: praticamente a totalidade das nações latino-americanas são hoje democracias. As exceções são a Venezuela e a Nicarágua.
Na realidade a Venezuela é um caso exemplar do atraso resultante do governo ditatorial, uma vez que o país conta com reservas de petróleo semelhantes à Arábia Saudita, sem conseguir, todavia, se beneficiar dessa riqueza natural. 

Um fator crucial que impede o país de se beneficiar plenamente de suas enormes reservas de petróleo é a gestão autoritária e centralizada do governo venezuelano, especialmente sob Hugo Chávez e seu sucessor Nicolás Maduro, que contribuiu significativamente para a crise econômica e a má administração da sua indústria petrolífera. 

A empresa estatal de petróleo, PDVSA, foi politizada, com cargos de liderança sendo preenchidos por pessoas leais ao governo, muitas vezes sem a experiência necessária para gerir uma companhia tão complexa. Essa politização resultou em ineficiência, má gestão e corrupção, prejudicando a capacidade de produção e a lucratividade da PDVSA. 

A gestão autoritária e o controle estatal rígido levaram à falta de investimento adequado em tecnologia, manutenção e desenvolvimento de infraestrutura. Isso fez com que a produção de petróleo caísse drasticamente, mesmo com as vastas reservas à disposição. Além disso, as violações dos direitos humanos e a repressão política resultaram em sanções internacionais que dificultam a exportação de petróleo e o acesso ao mercado financeiro global. 

A corrupção endêmica sob o regime autoritário, com recursos desviados para enriquecer a elite governante, minou ainda mais a capacidade do país de utilizar suas reservas de petróleo para o desenvolvimento econômico.

Cabe a nós, cidadãos latino-americanos, aprender com essas lições e zelar pela continuidade dos regimes democráticos em nosso continente. Esse é o caminho para vivermos, em liberdade, em uma Pátria mais justa.

Miguel Haddad é advogado, foi deputado e prefeito de Jundiaí (miguelmhaddad@gmail.com) 

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