Jogar bola na rua sempre foi correr riscos. Claro que não por causa do movimento de veículos, até porque, na minha infância, o que passava pela rua de casa eram bicicletas, carroças e alguns táxis. Rua de terra, na década de 1950, era área de lazer. E tome jogos de Rua de Baixo contra Rua de Cima, ou “eu e meu irmão contra o resto”, frase comum nos tempos em que eu era parceiro de Ademir, meu irmão mais velho, e o resto eram cinco ou seis garotos... E a gente ganhava sempre! Mas como dizia, riscos eram comuns nestes jogos, porque bola na casa de alguém era difícil continuar a partida no mesmo dia. Se a bola caísse no quintal de minha casa, ficava difícil achar, pois a plantação de milho do seu Alcindo acabava virando esconderijo. Bola na casa do Zé Mota, era torcer para os cães de caça não a encontrarem... Se ela fosse no quintal de seu Antonio Torelli, Adilson, o neto. que jogava com a gente, resolvia o problema. No quintal do seu Morais, o risco de a bola cair lá era de o jogador não voltar, entusiasmado com as frutas que encontrava por ali. Do lado debaixo da rua, não haviam quintais, a bola batia nas paredes das casas, fazendo tabela e voltaram para o jogador. Sidney e Nê tinham, depois, que convencer seus pais de que não foram eles que chutaram a bola na parede e sujaram de barro, principalmente quando tinha chovido. Mas se a bola quebrasse a vidraça de alguma janela, em dois segundos 0não tinha mais ninguém na rua. A gente só começava a reaparecer meia hora depois, como se nada tivesse acontecido! Se questionado pelo dono da casa que teve a vidraça quebrada, ninguém sabia de nada... Mas difícil mesmo era quando a bola caía na casa de dona Carlota. Por ela ter apenas uma filha, que a gente chamava de Nenê, o contato com garotos de um pouco mais idade era assunto proibido e a devolução da bola ficava condicionada à chegada do marido de Carlota. Claro que não me lembro do nome dele, na verdade, nem me lembro dele direito. Só sei que trabalhava na Estrada de Ferro, igual ao meu pai. Quando a bola caía ali, muita gente já ia embora, pois sabia que a “negociação” seria difícil. Dona Carlota se negava a devolver a bola, pois dizia que em frente à sua casa não era campo de futebol, que tinha lugar na rua da Várzea em frente ao armazém do Valentim ou tinha, ainda, o campo do Dragão Mecânica, ao lado da Sifco. E quando a argumentação dela chegava ao Dragão Mecânica, virava vaia e aí a devolução só acontecia no dia seguinte. No Dragão Mecânica ocorriam jogos do Campeonato Amador da cidade e o Primavera era sempre o grande time do bairro. Talvez por isso, a gente gostasse tanto de jogar futebol.
Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)