OPINIÃO

Lembranças


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O galpão com pintura nova mostra que o local passou por uma reforma recente. De cada lado, duas residências antigas dão sinais de que, o galpão, apesar de aparentemente novo, já teve outra "cara" e que, antes, ali existia uma casa igual aos imóveis ali ainda existentes. E tive que parar ali, remexer em minha mente e recuperar fotos antigas que mantemos dentro de nossas lembranças. E revi filmes de minha infância, recuperei fotos memoráveis que encontrei no arquivo de minha mente e senti uma saudade forte, uma vontade de entrar por aquele galpão e tentar encontrar a porta de meu quarto, as janelas da sala, a porta da cozinha. É que...é que... onde existe este galpão hoje, havia uma casa. E nesta casa moraram meus pais, meus irmãos e eu...

A ausência do imóvel provocou uma pequena dor no peito que controlei para impedir que fosse maior. Senti que duas lágrimas iam rolar face abaixo, mas tomei fôlego. Senti que precisava ir em frente, que tinha que continuar, porque a vida não parava e nem parara naquele local. Já se passaram quase 45 anos que deixei o local para formar minha família atual. Já se passaram quase 36 anos que minha mãe se despediu de todos, certa de que cumpria sua missão, e 34 que meu pai foi em busca do grande amor de sua vida.

E foi no intervalo da partida de um e de outro que a casa foi negociada. Até porque, dos seis filhos seu Alcindo e dona Angelina, um se ordenara padre, três já estavam casados e aquela casa ficara grande demais para meu velho pai e meus dois outros irmãos. E a casa passou a fazer parte de nosso passado... Não sei se o leitor consegue lembrar algo que já não existe mais. Lembrar uma cozinha, com pessoas conversando, enquanto dona Angelina preparava o almoço de domingo e seu Alcindo chegando do quintal com alguns pés de alface para a salada. E a verdura vinha da própria horta. Do quintal daquela casa, cujo terreno tinha mil metros quadrados e era ali que colhíamos verduras e muitas, muitas frutas diferentes: abacate, manga, goiaba, laranja, limão, caqui, pêssego, ameixa, jabuticaba. Enfim, uma infinidade de frutas que muita gente imagina que só existe na feira...

E a casa virou saudade, virou lembrança. E aquelas lágrimas que disse ter tentado segurar, agora deslizaram face abaixo. E lembrei, também, de uma conversa em família, quando comentei que chorava de saudade triste, e fui acarinhado por um de meus irmãos que me garantia que "lágrimas não são de saudade triste, mas de emoção de compreendermos o quanto foi bom ter vivido aquilo." E percebi, então, que ele tinha razão. Que sempre que falamos em saudade, parece haver uma tristeza dentro de nós, mas concluímos que ela não pode ser encarada assim: triste é não termos vivido, triste é passarmos em branco por aqui, triste é não termos compartilhado, triste é passarmos ao lado e não junto com os fatos.

Aí meu irmão me puxa pelo braço, me mostra o céu azul, com nuvens formando imagens de felicidade, e completa seu pensamento, dizendo que, junto com tudo que vivemos existe sempre o sentimento de agradecimento. Claro que a gente não queria que o tempo passasse, que aqueles momentos passassem ou, hoje, a gente queria que voltasse... Mas - e este mas é fundamental - foi bom ter vivido tudo isso e estar aqui, neste instante, para lembrar. E a lembrança provoca emoções e reações diferentes em cada ser. Eu peço licença e desculpas a todos, olhar novamente para aquele galpão, visualizar em seu lugar minha antiga casa e chorar. Um choro de agradecimento a Deus por ter vivido ali...

Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)

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