Sou um brasileiro apaixonado pela seleção alemã de futebol e antes que você sinta vontade de me xingar por isso, queria te convidar para uma reflexão que, mesmo você não torcendo para a Alemanha, vai conseguir se compadecer com o que está acontecendo aqui na Eurocopa com ela. Isso porque, isso também aconteceu com a gente aí no Brasil.
No momento que eu escrevo esse artigo, estou em Frankfurt, na Alemanha, para acompanhar um jogo do time da casa na competição europeia de seleções. Eu disse que eu era apaixonado.
Andando pelas ruas do bairro que estou alojado, percebi o uso tímido das cores do país (preto, vermelho e amarelo), mesmo em época de Eurocopa. E aqui, a Eurocopa é levada tão a sério como uma Copa do Mundo. Enfeitar as casas com bandeiras e cores alemãs é o que seria para nós as ruas pintadas de verde e amarelo.
Até mesmo no dia do jogo, no domingo (23), os torcedores alemães usaram seus símbolos com certo receio. Claro que o estádio estava tomado por bandeiras nacionais, mas era perceptível o cuidado com tudo aquilo.
O motivo de tanta preocupação? O crescimento assustador do AfD (Alternative für Deutschland, ou Alternativa para Alemanha em português), partido de extrema-direita que resolveu utilizar os símbolos nacionais para representá-los.
Quase 80 anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, marcada pelos horrores do nazismo, os alemães voltam a encarar o crescimento de um discurso de extrema-direita e observam, quase que impotentes, suas cores sendo tomadas de assalto.
A Alemanha demorou muito para se reconciliar com sua bandeira. Foram mais de 60 anos para que o povo alemão voltasse a sentir orgulho e ostentar suas cores nacionais. Isso aconteceu na Copa do Mundo de 2006, que também aconteceu em solo alemão. Antes disso, demonstrar nacionalismo era constrangedor.
As bandeiras utilizadas nos estádios e que é distribuída de forma gratuita para os fãs é estilizada. As três faixas horizontais ganharam o escudo da seleção alemã de futebol, justamente para diferenciar a bandeira do torcedor de futebol da bandeira do país. Algo como “estamos torcendo para nossa seleção de futebol, não estamos exagerando no nacionalismo, ok!? Podem ficar tranquilos”.
Mas o constrangimento com as cores nacionais está voltando. Conversando com alguns torcedores alemães, percebi que muitos não querem ser confundidos com os extremistas de direita do país e por isso só usam a bandeira em dia de jogo.
Muito parecido com o que o bolsonarismo fez com a camisa da Seleção Brasileira. Em 2016, antes mesmo da ascensão de Bolsonaro, ainda no impeachment de Dilma Rousseff, grupos de direita usaram as cores do Brasil como se fossem exclusividade de um único espectro político. Dez anos já se passaram e se você ver alguém com uma camisa da CBF na rua o pensamento vai ser automático: bolsonarista.
É exatamente isso que está acontecendo aqui na Alemanha em plena Eurocopa. O partido de extrema-direita, que obteve o segundo lugar nas eleições para o parlamento Europeu, vem crescendo em número de adeptos que não têm nenhuma vergonha de seu nacionalismo.
Não dá pra saber o que vai acontecer, mas se o tom continuar o mesmo, os alemães terão que encarar mais uma vez um problema com seus símbolos nacionais. E se não dá pra prever o futuro, dá para olhar para o passado e ele não é nada bom.
Conhecimento é conquista!
Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)