OPINIÃO

A preciosidade do poder de escolha


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Amanda é uma jovem mulher de 27 anos que, há dois, abriu seu relacionamento com o namorado na busca por um novo sentido de poliamor, de uma vida movida por aventuras e de experiências com diferentes parceiros - ou, quem sabe, parceiras. Renata, de 44 anos, há seis não se relaciona com ninguém porque acredita que o namoro, o casamento e até mesmo a maternidade geram vínculos afetivos cujos sacrifícios aniquiliam a individualidade e, portanto, geram frustração. Bárbara acaba de completar 30 e, à procura de estabilidade, planeja cada detalhe de seu casamento, no qual deseja entrar vestida de noiva na igreja e iniciar um matrimônio tradicionalmente monogâmico.

Apesar de essas personagens serem fictícias, elas representam milhões de mulheres ao redor de um mundo onde, depois de muitos séculos de luta, enfim é possível escolher. Partindo do princípio de que a palavra "felicidade" é subjetiva, fica cada vez mais claro que a pessoa capaz de decidir aquilo que traz propósito à própria vida é única e exclusivamente ela mesma. E disso, saem infinitas possibilidades de histórias como essas.

Entretanto, falar de poligamia, agamia, monogamia - e inclusive de gêneros fluidos, como hoje buscam ilustrar os movimentos LGBTQIAPN ao nomear orientações e desejos que antes não tinham espaço - não é tão simples dentro de uma sociedade que ainda ouve tão de perto os ecos do sistema patriarcal. Uma sociedade na qual meninos são ensinados a sonharem e a desejarem, e meninas são ensinadas a serem desejadas. "Nosso descompasso é que os homens são criados para amar coisas, e mulheres são criadas para amar homens", disse uma neurocientista em um podcast brutal que ouvi recentemente.

Por mais desconstruídos que digamos sermos, ainda pedimos, puxados por muitas vozes ancestrais, que nossas filhas se sentem "direito" e usem vestidos. Ainda questionamos por que nossas sobrinhas ainda estão solteiras. Ainda julgamos mulheres que dizem não desejar ter filhos, sob a ótica - superficial e infundada - da religião e da hereditariedade do planeta. Ainda matamos lésbicas, bissexuais e mulheres transexuais pela forma como se identificam. Fomos ensinados a pensar e agir assim porque, dentro sociedade patriarcal, prevalecem as relações de poder e domínio dos homens sobre as mulheres e todos os demais sujeitos que não se encaixam com o padrão considerado normativo de raça, gênero e orientação sexual, e isso ainda está profundamente enraizado na nossa cultura.

Basta observar que a mesma poligamia hoje tão crucificada foi, por muitos séculos de história, o modelo vigente de família em diversos países. Mas apenas o homem era poligâmico. Rejeitar as mulheres que hoje são poligâmicas revela, por si só, o machismo arraigado desse passado que segue presente. Da mesma maneira, a opressão e a censura às diferenças, vindas de pessoas que se dizem cristãs, mostram que elas não entenderam nada sobre Jesus.

Como jornalista, artista, feminista e filha de psicólogos que dedicaram anos de luta a favor dos direitos humanos, tomo este espaço para trazer uma provocação. "Vamos aqui suspender nossos julgamentos antes de mais nada", disse, na última semana, a sexóloga Márcia Pires, no estúdio da Rádio Difusora, ao começar uma entrevista conosco, ao vivo, sobre agamia. Proponho que façamos isso sempre que pudermos. Que possamos compreender que a informação, o debate e a democracia são ferramentas capazes de tornar a sociedade um lugar onde é possível rever os valores do passado para construir uma nova história. Que troquemos a palavra "aceitar" por "respeitar" e abramos espaço para múltiplas possibilidades de existência neste mundo. Que deixemos em paz as mulheres que desejam ficar só. As mulheres que planejam se casar aos 40. As mulheres que amam outras mulheres. As mulheres que, como eu, não queimaram sutiãs e não odeiam os homens, apenas querem ser felizes sem um destino pré-estipulado, mesmo que ele acabe sendo o do vestido de noiva.

"O feminismo não diz que você não pode casar e ter filhos, e sim que você deveria ter uma escolha. O feminismo quer que as mulheres escolham", como diz a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, uma deusa-guia que está sempre na minha cabeceira. Em honra às que um dia não puderam, que possamos.

MARIANA MEIRA é jornalista, cantora e editora-chefe do Jornal de Jundiaí (mmeira@jj.com.br).

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