OPINIÃO

Endrick: fé ou ciência?

23/04/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Gosto muito do menino Endrick. Bom moço, ótimo jogador e parece que está bem orientado quanto ao comportamento.

Porém, algo que me incomodou: o certo desprezo à Psicologia, na contramão do que deveria ser o discurso correto.

Disse ele em entrevista à Revista Placar:

"Se eu tenho Deus na minha vida, não preciso desabafar com outra pessoa que não vai nem conhecer meus pais e minha pessoa. Eu somente tenho que conversar com Deus e orar".

Eu entendi o que aconteceu. Ele é um garoto religioso (imagino que de alguma crença cristã), que tem muita fé e quis testemunhá-la nessa afirmação. Entretanto, viver sua profissão de fé, manifestar a sua espiritualidade ou defender sua crença religiosa, não são coisas contraditórias à Ciência, à Medicina ou à ajuda que vem dos estudos ("a Fé e a Razão são duas asas que nos elevam para o Céu", disse São João Paulo II).

Pois bem: a ajuda psicológica não se resume a "estar aberto a um desabafo". É algo muito mais complexo, que vai além, onde o profissional vai ajudar com a terapia no entendimento de si próprio e do que pode te afligir. Tão importante também o trabalho de um psiquiatra, outro profissional marginalizado por muitos.

Endrick tem 17 anos, e é normal que a falta de vivência por conta da sua jovialidade tragam essa opinião polêmica, beirando o menosprezo aos psicólogos. Ele teve uma vida sofrida, é sabido, e agora vive um "conto de fadas", sendo uma promessa mundial e agradando toda vez que entra em campo.

A pergunta é: e quando o garoto começar a ser cobrado? Afinal, o mundo do futebol tem dessas situações: dias bons, dias maravilhosos, dias ruins e dias péssimos. O trabalho mental será fundamental para essa situação, pois a pressão será enorme.

Todos nós temos nossa crença (ou descrença) em Deus, seja em qual deus for. Ao ler essa fala de Endrick, lembrei-me do seguinte conto, do homem e da enchente:

"Certa vez, houve uma enchente numa cidade, e uma casa, construída numa baixada, começou a ser inundada. Nela havia apenas um homem. Este senhorcomeçou a rezar para a chuva parar. Mas a chuva não parava. E ele rezava pedindo a Deus que parasse a chuva. Entretanto, a água foi subindo… até chegar à sua cintura.

Apareceu uma canoa. O canoeiro gritou: 'Ei! Entre aqui!' Ele disse: 'Não! Estou rezando e o Senhor vai me ajudar'. E a água subindo. Logo ele teve de subir no guarda-roupa.

Apareceu um barco a motor. Chamaram-no, mas ele deu a mesma resposta. Minutos depois, o homem teve de subir em cima do telhado. E a chuva não parava, nem ele parava de pedir para Deus parar a chuva.

Com a água já nos joelhos, apareceu um helicóptero. Desceram uma cadeirinha até ele numa corda. Mas ele deu sinal que não ia, porque estava rezando para a chuva parar.

Aconteceu que a chuva aumentou, o homem foi levado pela correnteza, não sabia nadar e morreu afogado.

Logo que chegou ao Céu, já foi brigando com o primeiro que encontrou, que foi São Pedro: 'Deus não atendeu à minha oração!', disse ele. São Pedro respondeu: 'Como não atendeu, filho, se Deus lhe mandou a canoa, o barco a motor e até o helicóptero?'*

Endrick precisa saber separar as coisas, e entender que a inteligência e a sabedoria dos homens pela Ciência, também é fruto da ajuda de Deus, que ele pede nas orações particulares dele.

O medo é: Endrick é um garoto de fé que não teve a orientação correta sobre psicólogos, ou algum líder religioso se aproximou dele e está o fanatizando, a tal ponto de cegá-lo quanto a essas necessidades?

Rafael Porcari é professor universitário e ex-árbitro profissional (rafaelporcari@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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