OPINIÃO

Bell Hooks me fez masoquista

18/04/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Leitor compulsivo que sou, terminei minha lista do ano em outubro. Perdido sem tem o que ler, mesmo com a estante cheia de livros ainda no plástico e outros tantos que merecem ser revisitados, fui matar o tempo no celular. Acabei me deparando com um vídeo falando sobre o amor, sobre o que de fato ele é. E tomando um livro como base.

O nome era "Tudo sobre o amor" e a autora era a Bell Hooks.

O vídeo era tão bom que despertou meu interesse. E assim estava resolvido o meu pseudo-problema de não ter o que ler. Ou sendo realista, ganhei uma desculpa para adquirir um novo livro.

Acontece que a leitura me levou a lugares que jamais imaginei visitar. A entendimentos que eu nem sabia que precisava. Cada capítulo era uma sessão de terapia misturada com um soco no estômago.

Quando Hooks fala que o amor não vem seguido de cobranças, ofensas ou ataques, eu comecei até a duvidar do meu pai, se o sentimento dele por mim era real. Ele que sempre aprendeu a resolver tudo no grito e nunca teve a fala tranquila ou o tom de voz calmo. Subi um pouco mais a árvore genealógica e vi que minha avó também era assim. Mais interessado olhei os galhos em volta e percebi que meus tios também são iguais com meus primos.

E foi aí que percebi algo. Eu vi que talvez resolver tudo no grito até não fosse a melhor forma de dar amor para um filho. Mas era a forma que meu pai conhecia, que ele aprendeu. Mais do que isso, que ele viu desde pequeno. Pra ele não existia outra.

E isso me deu uma compreensão que antes eu não tinha, me fez ver que todas as atitudes que antes eram reprovadas por mim eram só falta de compreensão. Falta de percepção sobre quem era o meu pai. E assim nossa relação se tornou mais leve, retirando amarras invisíveis em nosso cotidiano.

E depois desse tapa na cara, começo a pensar que Bell Hooks me fez masoquista. Apanhei no livro e voltei querendo mais. Querendo buscar mais explicações para relações e comportamentos. E a cada capítulo, um novo tapa vinha embebido em lições duras e verdades amargas. E eu ali, procurando respostas pra perguntas que eu nem sabia que precisava responder.

Me via ansioso por cada capítulo, mas também com medo.

— O que será que vai ser dessa vez?

— De onde vem o tapa?

E assim trezentas páginas foram percorridas em uma semana. Folhas marcadas, grifadas...

Finalizei a leitura querendo voltar ao início. Inclusive farei isso em breve. Sinto que é muita coisa pra absorver de uma vez só.

Virei testemunha de Jeová do livro. Sempre que dá, falo dele. E até quando não dá ou o assunto simplesmente não cabe, eu arrumo uma brecha.

Semana passada chegou na minha casa o convite de casamento de um amigo. Já mandei de presente um exemplar do livro. Com um bilhete.

Se você realmente a ama, leia este livro antes de subir ao altar. Vai mudar seu casamento.

Boa leitura e boa vida!

Admito que fiquei um pouco chato. Me empolguei.

Mas é que ali tinham muitas coisas que eu precisava ler, precisava saber.

Bell Hooks me fez masoquista. Apanhei e voltei querendo mais.

Mas é que tem alguns tapas que precisamos levar. Eles nos empurram pra frente.

Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.