OPINIÃO

O velho foieiro


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Italiano, pequeno, um vasto bigode, óculos na ponta do nariz, um velho e surrado avental branco, todo sujo e muita, muita vontade de trabalhar. O velho Vicente Rossi, na rua Moreira César, não tinha preguiça de trabalhar. Sua pequena oficina de consertos ficava na frente da casa, onde morava com seu filho casado, já que o outro se ordenou padre, foi sagrado bispo e se transformou num dos mais importantes cardeais deste país. Seu Vicente era viúvo quando o conheci.

E era na velha oficina que seu Vicente consertava de tudo: panelas, bacias de alumínio, regadores. Sempre com um toque de mágica: uma gotícula de solda! E seu preço era sempre o mesmo: um cruzeiro. Ou, se fosse com a cara do freguês, nem cobrava, mas ficava contando histórias, histórias e mais histórias. Era um velho italiano que gostava de falar, falar e falar. E é daí que saiu o apelido de foieiro: ele sempre trabalhava com folhas de zinco, de lata...tudo isso...lá no final da década de 1950, início de 1960.

Muitas vezes lá estava eu, com meus sete, oito, nove anos, com o velho regador usado para molhar as plantas do quintal e que sempre tinha problemas: um furo no fundo. E era mais barato mandar consertar do que comprar um novo. Às vezes o velho italiano dava uma pintura nova, sem pedir autorização para o freguês e concluía dizendo que "como fiz sem você pedir, não cobro o serviço". E lá ia eu satisfeito para casa mostrar a beleza do regador que agora parecia novo!

A única coisa que me deixava inibido era sair de casa ou da oficina do seu Vicente carregando o regador, a panela ou ainda aquela enorme bacia que era usada para tomar banho quando faltava água em casa. A impressão que eu tinha, andando na rua, é que todo mundo olhava para mim - e olhava mesmo!!! - e eu ficava todo vermelho. Aliás, meu apelido era pimentão...

Sempre que chegava à oficina do foieiro, gostava de vê-lo conversando. Falava, gesticulava, andava de um lado para outro, ia até a porta ver o movimento, voltava, gesticulava, gesticulava (e como gesticulava o seu Vicente!!!) mas não perdia o fio da meada. A pessoa com quem conversava, praticamente só ouvia, pois o Vicente era um falador inveterado. Gostava de falar! Eu, com meus poucos anos de idade, não conseguia entender uma frase que o velho dizia, mas feliz por ouvi-lo.

Alguma palavra eu guardava na memória, chegava em casa, corria para minha mãe perguntando o que aquilo significava. Como não conseguia pronunciar as palavras direito, pois seu Vicente falava mais em italiano do que em português ou em "portulhano", minha mãe não sabia o que ele tinha dito e eu ficava sem entender a história.

Uma bela manhã, porém, a oficina amanheceu fechada! Passei por ela de manhã, retornei no início, no final da tarde e nada! Fechada! Voltei para casa pensativo, imaginando onde estava o velho Vicente.

Sonhei com sua oficina. A porta era comum, parecia mais uma casa. Ao entrar, porém, vinham as surpresas: logo na entrada, uma pequena mesinha e um banco menor, onde seu Vicente sentava para executar o trabalho de solda ou desamassar uma panela com martelo. Nas paredes da oficina, prateleiras, prateleiras e mais prateleiras. Mas nas prateleiras pouca coisa. O que se via eram pendurados pelo teto regadores, panelas velhas, panelas novas, bacias. Tudo o que seu Vicente consertava.

E me lembro - e como me lembro -, quando aparecia alguém pra dizer que tinha deixado, fazia 15 dias, uma panela para arrumar, mas só agora tivera tempo de ir buscá-la. O velho olhava, entregava o material consertado e não cobrava nada. Quando o freguês deixava a oficina, ele blasfemava baixinho alguma coisa que eu não entendia, olhava para mim, passava a mão na minha cabeça e dizia: "o teu também é de graça, você está sempre aqui"... e lá ia feliz para a sorveteria gastar o um cruzeiro que seu Vicente não quis.

E no dia seguinte, quando acordei, veio a notícia: a oficina não ia abrir mais. Seu Vicente tinha ido se encontrar com dona Vitória...

Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)

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