EQUÍVOCO

'Memes' com Caps podem dificultar acesso ao cuidado

Piadas sobre os espaços de atendimento à saúde mental podem recriar estigmas que a luta antimanicomial ainda tenta superar

11/04/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Reprodução

Piadas sobre os espaços de atendimento à saúde mental podem recriar estigmas que a luta antimanicomial ainda tenta superar
Piadas sobre os espaços de atendimento à saúde mental podem recriar estigmas que a luta antimanicomial ainda tenta superar

Já é sabido que nem toda piada é inofensiva e às vezes pode gerar consequências, mas de tempos em tempos um determinado assunto cai na boca do povo e os memes em redes sociais se multiplicam. Desta vez, a moda são os memes envolvendo os Centros de Assistência Psicossocial (Caps), só que o que parece apenas piada pode fazer com que os atendimentos sejam prejudicados e as pessoas sintam vergonha de procurar ajuda nos espaços.

Em Jundiaí, quatro Caps atendem adultos, crianças e adolescentes e pessoas que fazem uso de álcool e drogas. Ao longo do ano passado, os Caps do município fizeram 81.010 atendimentos, tendo cerca de 1.770 usuários ativos nestes serviços. Muitas pessoas que buscam atendimento nos locais sofrem de transtornos mentais e estão em sofrimento, tal qual acontece em casos de doenças físicas, mas, ao contrário, não têm de parcela da sociedade o reconhecimento da angústia.

SOFRIMENTO

O coordenador de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas de Jundiaí, Alexandre Moreno Sandri, e a psicóloga do Caps AD III de Jundiaí, Brenda Santos, criticam a chacota. "Parece-nos que os memes que associam o Caps a uma ideia estereotipada de 'loucura' e aproximam estes serviços da ideia do 'hospício' podem ampliar o estigma e dificultar o acesso ao cuidado, especialmente entre as crianças e adolescentes, que se encontram mais sujeitos às pressões do grupo social", alertam.

Os profissionais reiteram a importância dos Caps no atendimento à saúde mental. "Apesar dos avanços na compreensão do sofrimento psíquico e da importância do cuidado em saúde mental, ainda é muito presente o estigma acerca destas questões, em geral atribuindo associações entre o sofrimento psíquico, ou qualquer outra condição que nos afaste de uma determinada 'norma social', a uma condição de enlouquecimento, periculosidade, risco, ou incapacidade. Assim, os memes, que poderiam popularizar o trabalho dos Caps e inclusive facilitar o acesso das pessoas a estes serviços, pela sua forma de abordagem, acabam reforçando um imaginário comum de aproximação do sofrimento psíquico à loucura e, desta, com a doença, a desrazão, a incapacidade e a periculosidade."

"A associação de um espaço de cuidado em saúde mental, como os Caps, ao hospício ou manicômio é extremamente equivocada, uma vez que os Caps se constituem como serviços comunitários, de base territorial, que visam justamente substituir os espaços de confinamento e isolamento de outrora, num processo que, no Brasil, foi denominado Reforma Psiquiátrica, apoiado pelo movimento da luta antimanicomial. Nos Caps, se propõe o cuidado das pessoas (crianças, jovens e adultos) que estejam passando por um processo de sofrimento psíquico mais importante, mas que se apresentam das mais diferentes formas, e não a partir daquilo que de forma estereotipada se convencionou considerar como 'loucura'", explicam.

O coordenador e a psicóloga falam ainda sobre o trabalho nos Caps de Jundiaí. "Os Caps são espaços onde o cuidado se faz em liberdade, através de ofertas diferenciadas, por equipes multidisciplinares. Em Jundiaí, os quatro Caps do município contam com psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, profissionais de enfermagem, entre outros. O objetivo dos Caps é fortalecer a autonomia, os vínculos e a relação com o meio, buscando, no final das contas, apoiar as pessoas na construção do seu projeto de vida. As propostas de intervenção, organizadas em torno de um Projeto Terapêutico Singular, podem contemplar grupos, oficinas, atendimentos psicológicos, atendimentos psiquiátricos, ações de geração de renda e atividades de esporte, arte e cultura."

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