OPINIÃO

Carol tem razão

Por |
| Tempo de leitura: 4 min

Na semana passada eu estava lendo as notícias a respeito dos destinos de Daniel Alves e Robinho referente ao crime que ambos cometeram. Nesse momento, Carol Brotto, minha companheira há mais de 7 anos, chega em casa e, como de costume, me pergunta o que estou fazendo.

Quando contei que estava me inteirando sobre os desdobramentos dos casos dos ex-jogadores e que havia acabado de ouvir os áudios no qual Robinho zombava da vítima em um grupo de amigos (os mesmos que participaram do estupro coletivo), ela, na porta do escritório de casa, soltou os ombros em puro sinal de cansaço e disparou: "O que me deixa mais inconformada nisso tudo é saber que 99% dos homens que eu conheço ririam junto com o cara que falasse o que ele [Robinho] falou".

Após uns segundos de silêncio e de clara impotência da minha parte para fazer qualquer comentário, ela perguntou: "O que você faria se ouvisse um amigo seu te contando sobre um assédio, um estupro? Você iria rir também?". Eu prontamente respondi que não. E respondi da pior maneira possível. "Poxa, você tem dúvidas do que eu faria nesse caso?", devolvi. E ela, com um olhar cansado respondeu: "Eu infelizmente tenho minhas dúvidas".

Depois de ter afirmado e confirmado que jamais compactuaria com um assédio ou, pior ainda, com um estupro, o assunto mudou para qualquer outra coisa que agora eu não me lembro.

Mas aquela pergunta dela ficou martelando na minha cabeça por dias. Será mesmo que eu não riria? Será que eu iria repreender esses outros homens? O que eu faria?

Os dias seguiram e o caso Robinho e Daniel Alvez ganharam mais desdobramentos. O que pude observar - eu e muita gente - foi o silêncio da comunidade futebolística sobre o assunto. Jogadores e ex-companheiros dos dois preferiram o silêncio. E não dizer diz muita coisa. É o tal do pacto masculino que realmente existe e que faz com que a gente se proteja mesmo na pior das condições e situações.

A partir disso, busquei na memória quantas vezes presenciei falas machistas e percebi que foram muitas. Infelizmente só me lembro de ter tido dois tipos de reações: ou eu ria, mesmo que de nervoso e de maneira sem graça para "não ser o chato da rodinha", ou eu ficava em silêncio, constrangido e impotente. O fato é que não me lembro de ter repreendido alguma fala machista que narrava um assédio.

O Esporte Clube Bahia lançou uma campanha - motivados pelo silêncio da comunidade futebolística, penso eu - no qual mostra uma mulher em uma banheira que, a medida que ouvia falas machistas, via a banheira que estava se encher de água. E por mais que ela tentasse esvaziar, a cultura do estupro é tão forte que, em pouco tempo ela basicamente se afogou.

Foi didático!

Rir do assédio é compactuar com ele. Ficar em silêncio é se omitir, é o refúgio dos covardes. Só o posicionamento firme contra essa cultura é a resposta para iniciarmos uma onda muito simples: trazer desconforto para quem é machista, abusador, assediador e estuprador. Esse tipo de gente precisa sentir medo e vergonha de reproduzir comportamentos machistas e isso só vai acontecer quando eles não tiverem mais o riso e o silêncio alheio como fertilizantes.

Eu já sou conhecido em alguns grupos que participo como o "militante do rolê", mas isso em outras pautas como racismo, homofobia, política... Mas minha compreensão sobre minha inércia no quesito machismo me causa bastante vergonha, ainda mais por viver, conviver e aprender todos os dias com a Carol.

Ela está em uma jornada muito importante no qual o estandarte do feminismo é seu grande guia moral. Integrante da organização das PLPs (Promotoras Legais Populares), grupo feminista que organiza cursos, palestras e movimentos em prol das mulheres, feito por mulheres e para mulheres, Carol é muito importante na minha formação e na das pessoas que a cercam. Ela está na linha de frente desse movimento e atuante em tantos outros.

Voltando a pergunta que ela me fez, hoje eu tenho a resposta. Carol tem razão. E cabe a mim fazer minha parte e transformar o 1% dos homens que ela conhece que repreende falas machistas onde e como for, em um número maior.

E se você é um homem, faça o exercício mental e se faça a mesma pergunta que Carol me fez. Vai ser bom você refletir. Espero que chegue na mesma conclusão que cheguei.

Conhecimento é conquista

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)

Comentários

Comentários