OPINÃO

Troquei a cerveja por café

26/03/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Uma das melhores lembranças dos meus tempos de faculdade eram os papos no bar. Cerveja gelada e mesa de ferro na calçada.

Hoje ainda gosto de tomar uma gelada com os amigos. Mas prefiro fazer isso em casa, longe dos perigos da rua e na certeza de que sempre terei uma cadeira para sentar.

Troquei a balada pelo churrasco. E tem vezes que nem churrasco e nem cerveja.

Só café!

Depois dos 30 as melhores conversas vêm acompanhadas de um bolo quentinho. Acho que estou me tornando o que eu mais criticava. Mas é que contar história e rir à toa é melhor com quitutes ao meio da tarde.

Me lembro que quando era criança e acompanhava meu pai na casa de um amigo, ficava entediado por ele conversar por horas enquanto eu tinha que matar o tempo em meu mini game.

Aos desavisados de plantão ou apenas aqueles nascidos depois dos anos 2000. Mini game era um artefato tecnológico sem tecnologia alguma que tinham uns mil jogos todos pixelizados que nos entretinham por horas, inclusive pela música chata e irritante. Esclarecidas algumas referências, posso voltar ao ponto desta crônica: Que hoje eu entendo meu pai, pois me tornei como ele.

Adoro jogar conversa fora. Falar sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Eu que antes ficava no bar por horas, tomando inúmeras saideiras, agora fico em mesas com café prometendo que essa será a última história. E quando vejo já se foram mais sete.

Acho que agora entendo a música trem das onze. Provavelmente quem perde o trem estava conversando e perdeu a noção. Já aconteceu comigo.

Na verdade, ainda acontece. Tenho o dom de fazer amizade fácil e conversar até com caixa de supermercado. Já comecei amizades assim.

Teve uma fase da vida que eu forçava situações inusitadas só pra que rendessem boas histórias no futuro. E olha que renderam viu, apesar dos perrengues, agora ficou só a parte boa. Contar todas elas e rir por aí bebendo café na casa dos outros.

Estava fazendo umas contas aqui e acho que já bebi mais xícaras de café do que canecas de cerveja. E olha que nos meus tempos de bar eu não fazia feio.

Fico pensando em como o passar dos tempos nos mudam. Eu que era um botequeiro assumido, troquei o tira-gosto pelos quitutes de vó. E nem precisa ser a minha.

Em minha última visita a casa dos meus pais eu ia todo dia na casa de Dona Ana, a vizinha da frente. Uma senhora de quase oitenta anos que ficava a tarde inteira costurando enquanto conversava comigo. Foi bom lembrar histórias de quando era criança e algumas até mais antigas. Como de quando minha avó se mudou para a rua. E ali atento eu pude conhecer um lado da minha avó que era novo pra mim, que eu nunca tinha visto.

Eu tinha esquecido que além de ser a mãe do meu pai, ela era também amiga, mulher. Ela tinha uma vida além dos limites que eu conhecia.

Lamento não ter tido idade para me sentar e conversar com a minha avó. Mas agradeço poder entender isso.

Quando mais novo eu defendia minhas visitas frequentes ao bar, com a desculpa de que nunca tinha feito amigos bebendo leite. Pois bem...

Bebendo leite eu não sei, mas café...

Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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