Na última semana, a Educação tomou três socos: Três estados que resolveram tirar de circulação um livro de suas escolas; uma diretora de escola atacada por um homem por ele não concordar com o conteúdo de um material didático; e a eleição de um deputado no mínimo controverso para presidir a Comissão de Educação da Câmara, em Brasília.
O primeiro soco: O livro "O Avesso da Pele", de Jeferson Tenório, foi alvo de um pedido de censura da diretora da Escola Ernesto Alves, da cidade de Santa Cruz do Sul (RS). Segundo a diretora, o livro traz linguagem inapropriada para os alunos do Ensino Médio, além de cenas de sexo. Com a repercussão, os governos do Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul pediram o recolhimento imediato da obra das escolas.
Vencedor do Prêmio Jabuti de 2021, o romance literário "O Avesso da Pele" aborda o racismo através da história de um menino negro que tenta entender os motivos que levaram o seu pai ser morto pela polícia. O autor, em suas redes sociais, se manifestou dizendo que "o mais curioso é que as palavras de baixo calão e os atos sexuais do livro causem mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras".
Dias depois, o segundo soco: Um homem em Nilópolis (RJ) postou um vídeo em suas redes sociais completamente indignado com um exercício da apostila do 4º. ano do ensino fundamental. Se tratava de uma atividade sobre interpretação de textos no formato de entrevista. O problema para esse homem foi que o exemplo dado pelo material didático foi uma entrevista do youtuber Felipe Neto extraída de uma reportagem do Diário de Pernambuco.
No vídeo, ele está na frente da escola, intimidando a diretora que tenta tapar o rosto enquanto pede para não ser filmada. Entre ataques a escola e à própria servidora pública, o homem vocifera no vídeo contra Felipe Neto, afirmando que o influenciador ensinaria sexo entre meninos e meninas para crianças.
O youtuber se manifestou no X (antigo Twitter) dizendo já ter colocado sua equipe jurídica em ação para identificar e processar o homem. Quem também se manifestou foi a prefeitura de Nilópolis por meio de nota, dizendo repudiar o ato e de dar todo apoio jurídico à diretora da Escola Municipal Poeta Carlos Drummond de Andrade.
Por fim, o terceiro soco: Nikolas Ferreira (PL-MG) foi escolhido pelo seu partido para presidir a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. O problema disso é muito simples: o parlamentar nunca apresentou nenhum projeto de Educação.
Além disso, é notória a sua predisposição conservadora e até mesmo retrógrada na pauta de costumes. Expoente do bolsonarismo, Nikolas Ferreira já chegou a defender, em participação em podcast, o direito de negar o holocausto e da fundação de partidos nazistas. Além disso, ele é réu em um processo de caso de transfobia.
Essa linha ideológica alinhada a um forte discurso religioso pode direcionar seu posicionamento na hora de presidir a comissão que tem, entre outras atribuições, aprovar pautas que gerem projetos de lei no campo da Educação. Outro ponto central é que o Plano Nacional de Educação (PNE) será reformulado durante a gestão Nikolas Ferreira e valerá pelos próximos dez anos.
Esses três golpes não estão ligados diretamente e tão pouco foram orquestrados para acontecerem quase que ao mesmo tempo, porém nos mostra uma tendência que pode crescer nos próximos meses que antecederão as eleições municipais.
Atacar a Educação com discursos moralistas recheados de conservadorismo e retrocesso não é uma tática nova da extrema direita. Vimos em 2018 o barulho feito pelo movimento "Escola sem Partido" e ações como o da deputada estadual eleita por Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo (PSL), de Itajaí, que incentivou alunos a filmarem e divulgarem professores em sala de aula que estivessem fazendo "manifestações político-partidárias ou ideológicas". Isso aconteceu às vésperas das eleições.
A extrema direita sabe como capitalizar politicamente o discurso envolvendo a Educação. Levar esse assunto para o campo do conservadorismo em sistemáticos ataques gera a atenção que os dependentes dos votos precisam para serem eleitos ou reeleitos. O resultado é o retrocesso como censura de livros, ataque a profissionais da Educação e perda de direitos adquiridos por estudantes.
O contra golpe veio com o anúncio da criação de 100 novos institutos federais até 2026 feito por Lula no último dia 12 de março. Com isso, estima-se que 140 mil vagas "a maioria em cursos técnicos integrados ao ensino médio", segundo o MEC outras milhares de vagas de emprego para profissionais da Educação.
Mas a luta é constante e eu não duvido que novos golpes contra virão. Os socos serão inevitáveis. A questão é se a Educação não vai só conseguir reagir, mas se vai conseguir se esquivar e, se necessário for, se levantar depois das porradas.
Conhecimento é conquista.
Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)