OPINIÃO

Mahler em Jundiaí

13/03/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Sempre acompanhei o universo da música clássica com afinco e entusiasmo. Tentei até ser músico, mas falta-me o principal: disciplina de estudos.

Uma grande alegria, para um aficionado como eu, é ter, a menos de um quilômetro da minha casa, a oportunidade de assistir belos concertos da nossa Orquestra Sinfônica Municipal.

Mas tem dois pontos que me pegam: um é o péssimo comportamento do pequeno público local que sempre julguei, com celulares em riste filmando tudo, com luzes e barulhos de notificações, prontos a tirar a concentração do que é realmente importante numa apresentação desse tipo.

Outro é o espaço dos concertos: o Polytheama em si acaba sendo um complicador: mesmo lindo, conservado, climatizado, infelizmente não possui o tratamento acústico adequado para concertos (onde o ideal é nunca usar microfones). Sempre me incomodou o eco da sala, que atrapalha demais. E isso não é uma crítica ao local, porque como o seu próprio nome diz, é multiuso, para vários tipos de apresentações de espetáculos de diversos gêneros. E assim deve continuar sendo.

Mas fui mesmo assim ao primeiro concerto da temporada 2024 da Orquestra Sinfônica Municipal de Jundiaí.

Sob a batuta de Claudia Feres, o conjunto apresentou a Quarta Sinfonia de Gustav Mahler (1860-1911). Confesso que a escolha dessa peça me deixou curioso. Até onde sabia, as obras de Mahler são monumentais, exigindo, além de um grande número de músicos, instrumentos que podemos considerar raros em nossas paragens, desde harpa e contrafagotes até martelos e dois tímpanos. Eventualmente, coros e solistas líricos (no caso dessa quarta sinfonia, a orquestra contou com a participação da soprano Érika Muniz).

Teatro lotado.

Teve também uma primeira peça, para instrumentos de sopro, escrita por Mozart; apenas um aperitivo singelo do que estava por vir. E o que me impressionou foi, nesse ponto, o público: atento, respeitoso, silencioso e emocionado em estar ali.

A orquestra ocupa todo o palco e a regente inicia a sinfonia. A orquestração de Mahler, delicada e alternada, evoca, num primeiro momento, o inverno e Natal, com sinos de trenós, que aparecem logo no início da sinfonia e que despontam várias vezes também no movimento final, além de sons bem agudos feitos pelo conjunto, que remetem a vozes de crianças.

O silêncio e concentração do público era tal que permitiu que a peça pudesse ser apreciada de forma impecável. Tal a concentração, a ponto de, infelizmente (aqui vai uma pequena crítica ao teatro), o barulho de uma peça de ferro ou alumínio batendo em outra (deve ser algo do sistema de ar condicionado) ficar bem evidente aos meus ouvidos e me "atrapalhar". Mas trata-se de algo muito pontual que tenho certeza que a competente equipe do teatro até já sabe e fará o reparo necessário...

Aplausos.

Segundo e terceiros movimentos, cheios de suavidade e leveza, mas não menos majestosos. O último movimento, "Das himmlische Leben" (A Vida Celestial, em tradução livre do alemão), cantado pela soprano Érika Muniz, descreve a visão de uma criança do paraíso: uma vida feliz, com muita dança e muita brincadeira, com boa música e boa comida (aspargos, feijão, coelho, peixe, vinho) e cheia de santos.

Importante destacar que, antes da apresentação, slides com frases escritas por crianças da rede municipal de ensino foram projetadas no teatro. Elas descreveram o paraíso e era algo muito próximo daquilo que foi cantado em alemão escrito em 1900.

A inocência, a pureza e a beleza não têm idade, nacionalidade.

Aplausos finais de uma plateia em êxtase, inclusive eu, que até agora estou cantarolando as melodias de Mahler. Orquestra, regente e solista conseguiram passar a todas as pessoas ali presentes essa emoção.

Fica o desejo de que a temporada 2024 da nossa OSMJ seja repleta de momentos como esses.

Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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