OPINIÃO

Amor-próprio

07/03/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Vanessa era daquelas pessoas que todos queriam ter por perto. Talvez pelo seu brilho no olhar ou o sorriso contagiante.

Desde pequena ela era assim. Quando no sexto ano o trabalho era fazer uma maquete do sistema solar ela ficou a semana inteira colorindo as bolas de isopor com tinta guache, prendendo em arames e pintando a base em azul e branco. Misturando com gel de cabelo para texturizar tudo. Era a sua forma de ilustrar a via láctea. Ficou tão perfeito que pra professora Carminha foi difícil acreditar que ela havia feito tudo sozinha.

Mas era assim.

Foi ainda na adolescência que ela e Isac começaram a se tornar mais íntimos. E não demorou muito pra que essa proximidade se convertesse em passeios de mãos dadas até a sorveteria, pipoca no banco da praça e por fim começaram a namorar.

As famílias se davam bem. Churrascos de domingo e comemorações em feriados. Foi assim por anos. Até que em um dos almoços de fim de semana eles deram a notícia de que iriam se casar.

Ela estava no segundo semestre de Jornalismo e ele finalizando a faculdade de direito. A vida adulta estava tomando forma. Se casaram em uma cerimônia simples, sem grande pompa. Apenas familiares e os amigos próximos.

Tudo estava indo muito bem, feito o viveram felizes para sempre dos filmes com final feliz. Mas é que a vida real costuma não ser assim. E foi isso que Vanessa descobriu de forma repentina, quando pegou o celular de Isac para procurar as fotos do último passeio no parque e viu algumas mensagens trocadas com uma tal de Brenda. Declarações e até fotos enviadas nos últimos meses. Ela rolava os dedos pela tela, lia e relia sem acreditar, tentando fazer aquilo tudo sumir. Como se não passasse de uma confusão de sua cabeça.

Mas não, não era! Era a realidade lhe tirando de seu sonho.

Ela conversou com Isac, tentou entender. A vida parecia tão perfeita, por que ele precisava daquilo? Onde ela tinha falhado?

Pois é, ela chegou até a pensar que fosse sua culpa, que ela era culpada pela traição do marido. Traição essa que ele jurava que nunca houve, que foram apenas fotos inocentes trocadas em um momento de fraqueza. Mas Vanessa viu as fotos, e viu também que de inocência não tinha nada.

Fraqueza era só dela em acreditar. Se sentiu enganada, humilhada.

Depois de vários pedidos de desculpa e promessas de que aquilo iria acabar ela resolveu perdoar. Mas depois daquele dia o brilho em seu olhar não era o mesmo, parecia ofuscada por sentimentos tristes que lhe habitavam o peito. Magoada ela se viu assumir papeis que não eram seus.

A ressentida que tratava Isac com indiferença, a vingativa que trocou fotos e mensagens com outros e a realista que por fim percebeu que nenhuma daquelas era ela.

Vanessa ainda era a mesma menina do trabalho de ciências que deixava a todos impressionados. Ela ainda era a mesma menina cheia de sonhos e desejos.

Ninguém pode controlar as emoções e nem o que vai ou não nos ferir, isso ela descobriu do pior jeito. Descobriu que não iria dar a ninguém o poder de lhe magoar pela segunda vez.

E foi assim o fim do seu casamento, do seu primeiro amor.

Na verdade, do seu segundo amor. Pois o seu primeiro amor, ainda era o amor-próprio.

Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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