A moça me enviou mensagem pelo Messenger para saber como eu estava. Há tanto tempo não nos falávamos. Se não fosse por seu nome diferente, não me recordaria dela no primeiro momento. Fiquei feliz por me chamar.
Na década de 90, ela acompanhava a avó nas reuniões da Pastoral da Mulher/Magdala. Comovia-me vê-la, contudo, a avó, que empurrara as três filhas para a prostituição, preferia distância.
Com o tempo a gente aprende que a miséria possui ramificações e, muitas vezes, para um mínimo de sobrevivência as pessoas se conformam em ser exploradas ao máximo. Tudo isso me ensina, aos poucos, quanto preciso melhorar o meu coração. A avó, com quem não me simpatizava, era tão vítima da falta de oportunidades iguais como as filhas e a neta.
Talvez, o que ficara na moça para me procurar, além do anúncio do Deus Amor, era a afetividade em olhares e abraços.
Domingo passado, o Padre Márcio Felipe, Reitor e Pároco do Santuário Diocesano Santa Rita de Cássia, em sua homilia, ao comentar sobre Jó - referente à primeira Leitura da liturgia do dia (Jó, 7.1) - ,disse que o sofrimento, sem se perder do Senhor, que nos estende as mãos, configura o nosso coração ao Coração de Jesus na Cruz. Calou-me fundo!
Há dias em que Deus me sacode forte. Como escreveu o Arcebispo americano Fulton J. Sheen (1895-1979): "O pecado não é a pior coisa do mundo. A pior coisa do mundo é negar que somos pecadores".
Em dois de fevereiro, dia em que a Igreja celebra a festa da Apresentação do Senhor, por um motivo que não é o caso de contar, tive uma "crise de nhenhenhém". Em seguida, nas minhas reflexões, li do Padre Gabriel de Santa Maria Madalena, OCD, no livro "Intimidade Divina": "Maria não ignora ser Jesus o Salvador do mundo e, através do véu das profecias, intui que Ele cumprirá sua missão num mistério de dor, de que ela, como mãe, deverá participar. Confirma-o claramente a palavra de Simeão: 'Uma espada te transpassará a alma' (Lc 2, 35). Compreende-o Maria e, no segredo do coração, repete seu 'fiat' como em Nazaré."
Impactei-me e sarou o "nhenhenhém" na hora. Essas crises são fuga da cruz. O Senhor me propõe Nossa Senhora, além de Mãe do Céu e minha Mãe, como modelo. Deveria falar menos e guardar as coisa banais que me incomodam no coração, transformando-as em prece. O "nhenhenhém" é um braço do vitimismo e vitimismo é sopro de orgulho.
Ouvi diversas vezes do Padre Márcio Felipe: "Vamos à Igreja para entrar na vida de Deus e Deus entra em nossa vida, se permitimos". Como não deixo Deus na Igreja, Ele me sacode e me faz enxergar.
No sábado, em sua homilia, sempre com muito conhecimento, inteligência e sensibilidade, Dom Vicente Costa, nosso Bispo Emérito, destacou o pedido do rei Salomão a Deus (1 Reis 3, 4-13): um coração compreensivo, capaz de governar o povo do Senhor e de discernir entre o bem e o mal. Convidou-nos a pedir a Deus discernimento e a olharmos as pessoas com compaixão.
Repito as palavras do Padre Márcio Felipe: "O sofrimento, sem se perder do Senhor, que nos estende as mãos, configura o nosso coração ao Coração de Jesus na Cruz". Foi da Cruz que se ouviu: "Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem".
Que o Senhor me conceda a graça de permitir que Ele reconfigure meu coração.
Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)