OPINIÃO

Cidade perfeita

17/01/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Há quase um ano planejei uma ida a Buenos Aires com uma turma de amigos. E desde então fui inundado por um monte de sugestões de lugares, passeios, restaurantes, vinhos. Todos devidamente anotados. Mas o que me chamou a atenção é que cada dica vinha com uma sentença: "você vai adorar Buenos Aires. Ela é perfeita".

De fato, trata-se de uma bela cidade. Seu lindos edifícios neoclássicos, neogóticos, alamedas com belas e antigas árvores. Cafés tradicionais e elegantes. Praças. Vida noturna contagiante. Tango. Uma Paris no hemisfério sul.

Mas também vi muita sujeira. Muitos mosquitos e pernilongos. Muitas pessoas em situação de rua: famílias jovens, com bebês, vivendo nas calçadas abarrotadas de turistas. Esses então eram muitos, de vários países.

Sim, comer e beber na capital da República Argentina vale a pena. Passear por uma cidade toda plana, arborizada, segura para os turistas também. Entretanto, estranha para seus habitantes mais desvalidos, que vivem entre a decadência econômica atual e a elegância de outrora. Uma classe média que não gosta (e sente até uma pequena vergonha) de andar com pilhas de um dinheiro que desvaloriza a passos largos. Indiferente às pessoas mais pobres.

E lá lembrei dessa minha Terra. De quantas coisas aqui não são parecidas com Buenos Aires. Lembrei também de outras cidades que visitei: Lisboa, Lima, Santiago, Paris, Bonn, Recife, Rio de Janeiro, Belém do Pará, Curitiba... E de quantas coisas daqui da Terra da Uva não são parecidas com as de quaisquer outros rincões. Ou seja, notei o que é igual em todo centro urbano: os problemas com o espaço, com o trânsito, com preços, serviços que não são tão bons. Mas também me veio à mente o que tem de bom na minha cidade e que não tem em muitas dessas: posso beber água da torneira. Aqui o clima ajuda às noites, com aquela leve brisa. O clima de segurança que sinto. A qualidade de muitos serviços.

E refletindo, concluí com o que diria Dorothy n'O Mágico de Oz, "não há lugar como nosso lar". O melhor de viajar é voltar para casa. Mas além disso entendi que simplesmente não há cidade perfeita. Pois nada, absolutamente nada nesse mundo é perfeito. Obviamente amei os prédios, o tango e a beleza de Buenos Aires. Assim como amo estar no Rio e sentir a Bossa Nova e o Samba, ou a alegria contagiante do recifense, o calor humano e a culinária belenense, a história e beleza de Paris ou Lisboa e a tradição colonial de Lima. Mas também, em cada um desses lugares, existe sofrimento. Mágoa. Abandono. E definitivamente há muito ainda a ser feito. Mesmo em Roma. Mesmo em Pequim. Mesmo em Jundiaí. Especialmente em Jundiaí.

Mas por que "especialmente"?

Simples: é o nosso lar. Nossa querência. E é preciso, sim, querer que o melhor seja feito. Mas também é importante entender o quão bom é esse pedaço de chão que chamamos de pátria. Sem ufanismos bestas. Devemos querer bem o lugar em que vivemos. Mesmo que haja o que fazer. Mesmo que muito esteja sendo feito.

Olhar para a frente é importante. Mas para trás e para os lados amplia a percepção. E para mim, estamos muito bem. Buenos Aires é muito bom. Jundiaí também.

Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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