OPINIÃO

Amor nunca foi problema

12/01/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Gustavo era um rapaz que sempre viveu em um universo só seu. Quando estava na sexta série ele olhava pra Ritinha no recreio e falava aos amigos que ainda iria se casar com ela.

Mas nunca trocaram nem uma palavra.

Um dia, na aula de ciências, tomou coragem e foi até a mesa dela oferecer uma bala de maçã verde. Ela, sem entender, aceitou enquanto ele a encarava. E aquele foi todo o papo que tiveram no ano escolar.

No ano seguinte sua paixão era por Leticia, a CDF da turma que ia bem em todas as provas. Em casa ele pensava em formas de chamar ela para estudar na biblioteca depois da aula. Era o plano infalível. Teria um tempo com sua paixão e de quebra ainda ia bem na prova de matemática.

Seria mesmo um plano infalível... Se ele tivesse ao menos falado com ela.

E assim foi durante todo o tempo de escola. Se apaixonava e desapaixonava todo o ano, se frustrava ao ver que suas namoradas imaginárias acabavam saindo com outros que, diferente dele, conseguiam estabelecer uma conversa sem tremer ou gaguejar.

O tempo passou e o Gustavo já está mais velho. Com quase trinta anos e um pouco menos tímido, ele ainda se apaixona com um mero "bom dia". Mas agora tem mais ressalvas. Sua única namorada o traiu com um rapaz do condomínio. Um cara alto que só usava roupas de banda de rock. E assim lá se foi seu relacionamento de quase três anos com Bruna.

Depois de ver sua namorada, agora ex, aos beijos com o roqueiro na portaria do prédio, ele se fechou de vez em um casulo de mágoa e amargura.

Heitor, seu amigo de longa data, vive dizendo que ele precisa encontrar um meio-termo. Não pode achar que sua paixão está na próxima esquina e nem se fechar de vez para o amor.

—Amor é construção. A gente não o encontra. Ele que encontra a gente.

Gustavo perdeu a conta de quantas vezes ouviu essa frase em mesa de bar, afogando as frustrações em um copo de suco de cevada gelado.

Sua mãe lhe indicou fazer terapia. Ele sempre foi relutante, não conseguia se imaginar abrindo sua vida pra um desconhecido por uma hora.

Se fosse para ouvir conselhos, melhor seria com o Heitor, alguém que o conhecia há tempos e, de quebra, ainda acompanhado de cerveja.

Mas de tanto sua mãe martelar no ouvido quando ia visitar ela aos domingos e levantar a bandeira da "terapia em dia", ele resolveu marcar uma sessão.

Marcou online e achou que assim seria melhor para lidar com a sua timidez.

A primeira sessão, bem introdutória, foi menos assustadora do que ele imaginou. Na segunda ele já estava mais solto e até fez uma piada ou outra. E lá pela quarta ou quinta se sentia à vontade, olhando os longos brincos verde água de sua terapeuta, o batom vermelho e a blusa preta que nada mostrava, deixando que sua imaginação divagasse.

Ele achava uma relação injusta. Enquanto Manuela sabia de quase tudo de sua vida, ele simplesmente não sabia nada.

"Não é uma relação justa", disse Gustavo para Heitor em uma de suas inúmeras conversas.

"E quem disse que seria, Gus? Ela é sua terapeuta, não um date."

"Eu sei, mas é q..."

"Mas é que nada, cara! Como você pode se apaixonar pela sua psicóloga, quando a ideia era justamente quebrar este padrão."

"O que eu queria te contar é q..."

"Gus, é sério. Para com isso cara!"

E com todas as frases interrompidas pelo amigo, Gustavo terminou a conversa sem falar que estava indo para um encontro com Manuela.

E que sua preocupação na verdade era em como achar uma nova terapeuta.

Amor nunca foi problema, pelo contrário. Era a solução.

Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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