OPINIÃO

Desafio da guarda compartilhada

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Em pleno 2024, a guarda compartilhada ainda quebra hierarquias e uma estrutura de poder. "A guarda não é sua, nem minha. É nossa." Isto, por si só, já seria um avanço, um grande passo em direção ao princípio de melhor interesse da criança e adolescente. Porém, mesmo depois de entrada em vigor da Lei 13.058/2023, que estabeleceu como regra geral a guarda compartilhada, a justiça brasileira segue na contramão, pois ainda não efetivou essa regra legal, infelizmente.

Para elucidar melhor as dificuldades de implementação da cultura do compartilhamento da "guarda" de filhos, é preciso refletir sobre o sistema patriarcal em que estamos inseridos. As mulheres é que criam os filhos, e os homens pagam as contas. Os mais compreensivos "ajudam" em tarefas domésticas e cuidados rotineiros. Mesmo com o acesso da mulher ao mercado de trabalho, esta situação ainda permanece na maioria das famílias brasileiras. Há sinais de mudança. Os homens vêm incorporando uma participação mais efetiva no compartilhamento dos cuidados diários com os filhos. Em um futuro, que espero esteja próximo, não precisaremos mais falar de "guarda", que traz consigo o significante de objeto e não de sujeito. Passaremos a falar apenas de convivência e autoridade parental.

Quando os pais se separam, muitas mulheres ainda têm medo de dividir, e delegar, ao ex-marido/companheiro os cuidados diários com os filhos, ainda que isto signifique uma sobrecarga de trabalho. Muitas acham que a guarda compartilhada não funciona e resistem a compartilhar essa exaustiva e árdua rotina de cuidados.

Vejo uma questão palpitante e que pode interferir, drasticamente, no sistema de guarda e consequentemente da convivência: é quando há violência doméstica. Foi neste sentido que a Lei 14.713 de 30/10/23 fez significativa alteração no sistema de cuidados com os filhos, que alterou o artigo 1.584 do Código Civil Brasileiro, que excluiu a possibilidade de guarda compartilhda quando houver risco de violência doméstica ou familiar.

Embora a Lei Maria da Penha seja aplicável somente quando a vítima é a mulher, é comum também mulheres agredirem o marido/companheiro, inclusive na frente dos filhos. Neste caso, as mulheres deveriam sofrer restrição no convívio com os filhos? O potencial de maldade e agressividade humana não tem gênero. Mas cerca de 90% da violência física ainda é praticada por homens. Nada justifica a violência. Por isto, o Direito deve interferir para "barrar os excessos emocionais", ou seja, colocar limites externos em quem não os tem internamente. Eis aí a importante função do Direito, que é conter as pulsões inviabilizadoras do convívio familiar e social.

Estabelecer a guarda unilateral e restringir o convívio do pai com o filho é uma medida extrema, que deve ser feita excepcionalmente, com a maior cautela, até porque há casos de abuso e uso indevido de invocação da Lei Maria da Penha. De qualquer forma, o norte para a aplicação da Lei 14.713/23 será sempre a busca do princípio constitucional do melhor interesse da criança e do adolescente, que deve nos guiar sempre para o estabelecimento e reflexão de proteção às pessoas vulneráveis.

José Roberto Charone é advogado (charoneadvogados.com.br)

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